Raiely Godoi Melo e Luciano José Vianna


A CIDADE DAS DAMAS (1405) E AS REFLEXÕES DE CHRISTINE DE PIZAN (1363-1430) SOBRE A EDUCAÇÃO FEMININA NO FINAL DO MEDIEVO



Introdução: historiografia e História das mulheres
O pensamento conferido à Idade Média, tradicionalmente, é entendido como um período construído social, cultural e eruditamente pelos homens. Estes, ligados à prática da vida religiosa, ou responsáveis por outros escritos do gênero secular, produziam quase que exclusivamente os textos dessa época (FONSECA, 2012, p. 168). De acordo com Klapisch-Zuber:

“Desde os primeiros tempos do cristianismo, partindo destes fundamentos teológicos do masculino/feminino que carregavam positivamente o primeiro polo e negativamente o segundo, foram se aglomerando qualidades e defeitos, vícios e virtudes, condutas fastas e nefastas, considerados como específicos de um ou outro sexo. Aliás, a literatura medieval comprazeu-se em detalhar o inventário das características femininas mais do que o das masculinas. Isto porque desde o início a mulher foi definida por suas deficiências em relação à natureza humana, que fora realizada de forma mais completa no homem. Os religiosos que viviam a recusa da carne e a distância das mulheres retiveram deste catálogo binário sobretudo a negatividade do polo feminino, com o qual eles alimentaram sua própria visão misógina da feminilidade. Eles podem assim aumentar o inventário dos defeitos e dos problemas ligados às mulheres.” (KLAPISCH-ZUBER, 2002, p. 144-145).

Na Idade Média, o olhar que os homens colocavam sobre as mulheres é o que a constituía em primeiro lugar, pois era necessário passar por este filtro masculino, que transmitia modelos ideais e regras de comportamentos que elas não estavam em condições de contestar. Os homens que possuíam a palavra, homens da religião, clérigos que governavam o escrito, transmitiam o conhecimento, comunicavam ao seu tempo e para os demais séculos, o que se devia pensar sobre as mulheres (KLAPISCH-ZUBER, 1992, p. 16).

Durante boa parte do Medievo, pode-se perceber a presença de uma maior quantidade de textos misóginos do que em defesa das mulheres, isso implicou diretamente nas imagens negativas da mulher elaborada pelos homens (FONSECA, 2012, p. 168). A mulher era vista como Maria ou Eva, sendo santa ou pecadora. A partir de uma visão masculina, eram relativamente privadas de direito, em razão das diversas difamações legadas a elas, dependiam da tutela de um homem e estavam destinadas aos serviços domésticos, ao matrimônio ou à vida religiosa (COSTA e COSTA, 2019, p. 12).

Apesar de tradicionalmente o Medievo ser entendido como um período masculino, hoje se observa em termos acadêmicos que, historicamente, as mulheres sempre contribuíram como sujeitos ativos em termos históricos. Sabe-se que algumas mulheres agiam de forma independente, pagavam impostos, trabalhavam como professoras, escritoras e médicas (COSTA e COSTA, 2012, p. 12). Por muito tempo, as mulheres estiveram à sombra da figura masculina, no entanto, a revisão desse paradigma surgiu a partir dos anos 60-70 do século passado. A história das mulheres está deixando de lado suas bases elaboradas por fontes de autores masculinos e escolásticos e privilegiando os registros deixados pelas próprias mulheres (COSTA e COSTA, 2012, p. 13).

Joan Scott, em seu texto História das Mulheres, faz uma contextualização a respeito do tema, tratando do início de sua consolidação a partir da década de 60 do século XX. Sua origem esteve intrinsecamente ligada à política, por meio do movimento feminista, o qual buscava uma história que colocasse as mulheres como agentes ativas da sociedade (1992, p. 64). A história das mulheres confronta uma narrativa tida como “verdadeira”, onde inclui um ser deixado a parte que precisa ser resgatado e lembrado. (SCOTT, 1992, p. 77) Um ponto importantíssimo a se destacar é que a história das mulheres não se centrou em vitimizar a mesma, mas em produzir documentação onde mostra-se a distinção da mulher e comprova-se a sua capacidade de se fazer história (SCOTT, 1992, p. 83).

Em nenhuma sociedade nascer homem ou mulher é algo neutro, isso é veementemente trabalhado pela sociedade. Gênero é o produto de uma reelaboração cultural que a sociedade opera sobre a natureza biológica, controlando e atribuindo papéis determinados aos sexos (KLAPISCH-ZUBER, 1992, p. 11). Os papéis atribuídos às mulheres são produtos de um sistema ideológico e não concedidos em função de suas qualidades inatas (KLAPISCH-ZUBER, 1992, p. 12).

A memória e o resgate do passado
Uma das principais características que se destacam na obras compostas durante o Medievo, dentre as quais se insere A cidade das damas de Pizan, é o intenso vínculo com o passado, o qual é resgatado, utilizado, revivido, adaptado e muitas vezes modificado para suprir necessidades contemporâneas (SPIEGEL, 1990, p. 59-86). Ao se falar de passado, necessariamente se observa a presença da memória, a qual, portanto, fazia parte das produções textuais do Medievo.

Pizan viveu em um contexto literário de intensa aversão ao mundo feminino e procurou nas memórias do passado uma forma de reverter essa situação. Segundo Patrick Geary, a memória social é um processo que permitir a sociedade renovar e reformar sua compreensão do passado a fim de integrá-lo em seu contexto presente (2002, p. 167). Fazendo um vínculo com a proposta de Pizan, a construção da cidade das damas consistiu em resgatar personagens do passado, mulheres que mostrassem os diversos campos que atuavam, as inúmeras virtudes e os grandes feitos realizados por elas, que mostrem a mulher como alguém que assim como o homem também realizou coisas memoráveis. Ela utiliza mulheres da mitologia, das escrituras sagradas, das mais diversas literaturas. Pizan atribuiu aos feitos dessas mulheres um significado ímpar para sua obra, não são apenas modelos, mas há uma simbologia por trás deles, onde a mulher é atuante nas áreas educacionais em diferentes temporalidades da história, diferente do que era afirmado a tantos séculos pelos homens.

Outro autor que trabalhou o aspecto da memória em suas obras foi Jan Assman. Em seu texto Collective Memory and Cultural Indentity, Assmann aborda o conceito de memória cultural, cujo principal aspecto se refere à preservação da identidade de um determinado grupo e atua como necessário à formação desta identidade (1995, p. 130). A formação dessa memória cultural não depende apenas da escrita, mas está alicerçada em diferentes objetos e formas de transmissão. Portanto, o conhecimento ligado à memória cultural possui os aspectos de formador da educação e fornecedor de regras de conduta (1995, p. 132). São estas características que encontramos na obra de Pizan, a qual analisamos a seguir.

Christine de Pizan (1363-1430) e A cidade das damas (1405)
Embora a temática seja estudada mais recentemente, muitas mulheres fizeram história ao longo das épocas. Christine de Pizan (1363–1430), filha de Tommaso di Benvenuto Pisano, nasceu em Veneza – Itália (COSTA e COSTA, 2019, p. 249), mas, ainda criança, sua família se transferiu para a França, pois seu pai foi nomeado secretário do rei Carlos V (1364-1380). Christine viveu sua infância em contato com a vida palaciana, e tendo acesso à grande biblioteca do monarca. Seu pai foi um grande incentivador da vida intelectual dela e por meio de sua influência a colocou em contato com o meio erudito de sua época (COSTA e COSTA, 2019, p. 249).

O livro A cidade das damas (1405) foi produzido diante das diversas obras literárias de cunho misógino que despertaram em sua autora, Christine de Pizan, vários questionamentos acerca do pensamento construído sobre a mulher. A autora nos apresenta outro posicionamento acerca do papel das mulheres na sociedade, e busca com isso defendê-lo propondo a construção de uma cidade imaginária levantada com argumentos desconstrutivos em relação ao pensamento misógino.

Christine de Pizan foi uma mulher que não se contentou em se encaixar no espaço criado pelos homens para colocar o sexo feminino, um lugar de desfavorecimento. A sua insatisfação a levou ao mesmo campo no qual os homens as difamaram, a literatura. E foi nesse terreno que ela problematizou as questões levantadas pelos homens em relação às mulheres há tantos séculos, advindas da Antiguidade (KLAPISCH-ZUBER, 2002, p. 144). Uma mulher letrada, que escreveu sobre demografia, economia, autonomia jurídica, inserção das mulheres na vida produtiva e intelectual (KLAPISCH-ZUBER, 1992, p. 9).

Assim como muitos defensores das mulheres, Christine louvou as mulheres através de bibliografias de figuras notáveis, muitos retratos femininos do seu livro A Cidade das damas foram encontrados em Boccaccio em seu livro Mulheres ilustres (KLAPISCH-ZUBER, 1992, p. 10). O livro de Pizan é dividido em três partes, onde mantém um diálogo com três damas, Razão, Retidão e Justiça, as quais fornecem os materiais necessários para a construção da cidade idealizada por Christine. Esses materiais eram diversos exemplos de mulheres que fizeram história nos mais variados campos da sociedade.

Pizan e a educação feminina no Medievo
Nos diálogos que Christine manteve durante toda a obra com as três damas, podemos perceber que a cidade utópica idealizada por Christine é destinada a uma parte das mulheres de sua época, e não a todas: “Não há, aliás, nada, nesse mundo daqui de baixo, de que se deva fugir mais, para dizer a estrita verdade, do que a mulher de vida depravada e perversa.” (PIZAN, 2012, p. 75). Na proposta de Pizan, eram as mulheres nobres e virtuosas que habitariam essa cidade, a qual as protegeria dos diversos ataques misóginos que os escritores da época faziam contra elas. É no livro A cidade das damas que essa cidade é apresentada e construída textualmente, onde Christine resgata diversos exemplos de mulheres virtuosas de diferentes temporalidades, defendendo com esses exemplos as mulheres do seu tempo, e eternizando-as em seu trabalho textual, destacando, portanto, um estreito vínculo com o passado como aspecto de sua escrita historiográfica.

Neste texto, nos debruçaremos sobre as questões relacionadas à educação feminina no Medievo em seus mais diversos significados, ou seja, em um sentido amplo de educação. Por exemplo, Pizan destaca que os homens afirmavam que as mulheres não possuíam capacidades físicas e intelectuais para atuar na educação da época:

“Mas, ensinai-me, ainda, por favor, se Deus, que lhes concedeu tantas graças que honram o sexo feminino, não quis honrá-lo, privilegiando algumas delas com virtudes, grande inteligência e saber. Desejo muito saber se seriam possíveis tais habilidades, pois os homens afirmam que as mulheres são dotadas de fraca capacidade intelectual” (PIZAN, 2012, p. 126).

Vale ressaltar que a educação na Idade Média tinha um caráter diferente do que temos atualmente. A educação não se resumia ao letramento, mas estava ligada a vários âmbitos da sociedade: a educação cavalheiresca, religiosa, intelectual, entre outras, as quais estão presentes na obra de Pizan.

Segundo Christine, a natureza da mulher consiste em ser simples, comportada e honesta (PIZAN, 2012, p. 75), portanto, a principal virtude feminina que regia a sua vida era o amor a Deus e o temor contra o pecado e desobediência dos mandamentos. Por isso, segundo Pizan, as meninas deviam ser educadas desde cedo a serem obedientes a Deus, principalmente mantendo-se puras de corpo e alma (PIZAN, 2012, p. 98). Essa era a primeira educação legada às mulheres, e que determinava aquelas virtuosas ou não. Neste trabalho, destacaremos duas perspectivas educacionais femininas presentes na fonte: o contexto militar e o contexto intelectual.

O contexto militar
Pizan relata sobre mulheres educadas para o exercício e prática das armas, as quais eram dotadas de grande força física. Exemplo disso é a rainha Semíramis, outra personagem resgatada por Pizan, que cavalgava ao lado de seu esposo, o rei Nino, o qual morreu ainda muito jovem, deixando a responsabilidade de seu cargo à sua esposa, a qual agia com muita força, coragem e firmeza, conservando tudo que seu esposo havia deixado com grande disciplina e ordem de cavalaria, essa dama possuía grande vigor e não esmorecia frente ao perigo (PIZAN, 2012, p. 99).

As amazonas foram outro exemplo de mulheres que viveram por meio da prática militar e que foram recuperadas do passado por Pizan. Privadas de seus maridos e filhos por consequência da guerra, decidiram viver em um país que somente fosse habitado por mulheres, foi por meio de disciplina militar, seguida de grande sabedoria, prudência, coragem, e proeza que essas mulheres se tornaram temidas pelos homens em todo o mundo (PIZAN, 2012, p. 102).

Um último exemplo que destacamos sobre o aspecto militar é com relação a personagem Zenóbia. Segundo Pizan, Zenóbia, dama que desde a infância manifestava proeza e coragem de cavalaria, deixou as cidades e morava nos bosques e florestas, onde ali enfrentava os perigos selvagens sem nenhum temor. Após ter se casado enfrentava as batalhas junto com seu marido e, ao ficar viúva, corou-se imperadora e governou com muita habilidade e proeza de cavalaria o seu reino. Além de possuir excelente habilidade militar, essa dama era dotada de grande nobreza, retidão e honestidade. Sempre que podia ela dedicava-se intensamente aos estudos e foi instruída pelo filósofo Longino, o qual a iniciou no estudo da filosofia (PIZAN, 2012, p. 114).

Percebemos por meio desses exemplos que a educação militar era existente também no meio feminino, e não se concretizava apenas pela força, mas estava intrinsecamente ligada ao comportamento, as virtudes, a forma de se portar frentes aos diversos acontecimentos. Pizan resgata, então, tais personagens do passado para utiliza-las em seu contexto.

O contexto intelectual
Em diversos momentos de sua obra, Pizan destaca o protagonismo de personagens femininas em relação ao âmbito intelectual. Por exemplo, a Imperatriz Nicole, personagem resgatada por Pizan, foi uma mulher especialista nas Letras e nas Ciências que reinou nas terras dos antigos faraós, e jamais foi visto homem de saber comparável. Ela governava com prudência e sabedoria, promulgou ela mesma as justas leis que governavam o seu povo (PIZAN, 2012, p. 93). Essa mulher mostrou grande domínio do direito em seu governo.

Na proposta educacional de Pizan para a educação feminina, a autora afirma:

“Vou repetir e não duvides do contrário, pois, se fosse um hábito mandar as meninas à escola e ensinar-lhes as ciências, como o fazem com os meninos, elas aprenderiam e compreenderiam as sutilezas de todas as artes e de todas as ciências tão perfeitamente quanto eles.” (PIZAN, 2012, p. 126).

E continua:

“Sem dúvida, é por elas não experimentarem coisas diferentes, limitando-se às suas ocupações domésticas, ficando em casa, e não há nada mais estimulante para um ser dotado de inteligência do que uma experiência rica e variada.” (PIZAN, 2012, p. 127).

Continuando em seu resgate de exemplos do passado, Christine cita exemplos de mulheres que tiveram a oportunidade de frequentar a escola, como a nobre virgem Cornifícia, e que demonstraram possuir grande capacidade intelectual, maior até mesmo que alguns homens. Esse exemplo citado por Pizan, nos mostra que ela propunha em sua obra que as mulheres também fossem enviadas às escolas, assim como os homens, para que pudessem crescer sendo educadas em plena erudição. Segundo Pizan, a nobre virgem Corníficia foi enviada à escola desde cedo pelos seus pais e dedicou-se às Letras, onde tomando gosto por tal saber, esforçou-se tanto que se tornou uma grande poetisa. Essa dama não se contentou apenas em aprender a teoria, mas quis colocá-la em prática, escrevendo diversas obras memoráveis (PIZAN, 2012, p. 128). Pizan mostra, dessa forma, que a erudição deveria ter resultados, e não apenas por autorrealização intelectual, mas que esse conhecimento fosse praticado naquela sociedade.

Uma última personagem que destacamos em relação ao aspecto educacional é Proba. Ao falar sobre a romana Proba, que se tornou uma grande poetisa, Pizan nos fala que essa mulher resolveu colocar, em versos harmoniosos, os dez livros das sagradas escrituras e as histórias do Velho e Novo Testamento. Para isso, ela pôs-se ao trabalho, lendo ora o poema Búcolicos, ora o Geórgicas, ou a epopeia Eneida (2012, p. 128), leituras essas que, ao serem citadas por Pizan, podemos perceber que faziam parte também da sua proposta educacional, como referências intelectuais para aquelas mulheres. Ademais, Pizan destaca que Proba conseguiu aprender as sete artes liberais, as quais correspondiam às disciplinas “curriculares” da Idade Média. Portanto, essa dama tinha conhecimento da gramática, retórica e dialética, o trivium, da aritmética, geometria, música e astronomia, o quadrivium. Christine cita ainda que essa mulher possuía completo e profundo conhecimento dos livros sagrados e das Sagradas Escrituras, sendo ainda mais estimada, uma vez que muitos intelectuais da época não possuíam tal conhecimento. Essa afirmação mostra a importância desse conhecimento dos livros sagrados na educação intelectual medieval (2012, p. 130).

Considerações finais
Ao se voltar para o passado, Pizan resgata a memória de diversas mulheres mostrando-nos a forte presença feminina em diversas áreas consideradas, em seu contexto, de presença masculina: nas letras, no direito, na filosofia, poesia, retórica, pintura, magia, jardinagem, agricultura, entre outras. Resgatando as ideias de Assmann e Geary que vimos no começo deste trabalho, a recuperação do passado alimenta a explicação do presente, e é por meio dessas histórias do passado que Christine dá sustentação a sua proposta educacional, recorrendo ao que já aconteceu para contradizer uma posição tomada pelos intelectuais da época, que não condizia com a realidade.

A cidade das damas é um livro ímpar para os estudos sobre a mulher no final do Medievo. Pizan se utiliza de uma narrativa literária, reiterando-se de memórias do passado, para retirar a mulher da sombra da figura masculinas, do esquecimento cultural. Christine de Pizan aborda em sua obra diversos exemplos que nos mostram a mulher como detentora do saber, e ao ir se referindo a essas mulheres ela nos mostra um modelo educacional a ser seguido. Uma educação que é voltada para os âmbitos militares e intelectuais. Para Pizan, proporcionar o acesso à educação intelectual às mulheres era a grande questão em uma sociedade que limitava os espaços de atuação social dessas, mas, uma vez que isso era concedido elas mostraram suas grandes capacidades.

Em sua obra como um todo, a autora problematiza diversos espaços de atuação educacional da mulher, que não se limitavam apenas ao letramento, mas estavam intrinsecamente ligados aos diversos âmbitos da sociedade e muitas mulheres se capacitaram e atuaram fortemente. Nas artes, musicalidade, trabalhos manuais, letras, direito, práticas militares, poesia, filosofia, oratória, magia, jardinagem, agricultura, entre outras.

Referências
Luciano José Vianna é Professor Adjunto de História Medieval da Universidade de Pernambuco/campus Petrolina. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI) da Universidade de Pernambuco/campus Petrolina. Doutor em Cultures en contacte a la Mediterrània pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). Membro do Institut d’Estudis Medievals (UAB-IEM). Coordenador do Spatio Serti – Grupo de Estudos e Pesquisa em Medievalística (UPE/campus Petrolina).
Raiely Godoi Melo é graduanda do Curso de História da Universidade de Pernambuco/campus Petrolina e integrante do Spatio Serti – Grupo de Estudos e Pesquisa em Medievalística (UPE/campus Petrolina). Atualmente realiza seu projeto de Iniciação Científica como bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sob a orientação do Prof. Dr. Luciano José Vianna, cujo título é “Reflexões sobre a educação feminina no Medievo: uma análise da obra A cidade das damas (1405) de Christine de Pizan (1363-1430)”.

Fonte
PIZAN, Christine. A cidade das damas. Trad. Luciana Eleonora de Freitas Calado Deplagne. Florianópolis: Editora Mulheres, 2012.

Bibliografia
ASSMANN, Jan. Collective Memory and Cultural Identity. New German Critique, No. 65, p. 125-133, 1995.
COSTA, Marcos Roberto Nunes; COSTA, Rafael Ferreira. Mulheres intelectuais na Idade Média: entre a medicina, a história, a poesia, a dramaturgia, a filosofia, a teologia e a mística. Porto Alegre: Editora Fi, 2019.
FONSECA, Pedro C. L. Fontes literárias da difamação e da defesa da mulher na Idade Média: Referências obrigatórias. Série Estudos Medievais 2: Fonte. pp. 168-188, 2009.
GEARY, Patrick. Memória. In: LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean Claude (eds.). Dicionário temático do Ocidente Medieval. Vol. II. São Paulo: EDUSC, 2002, p. 167–181.
KLAPISCH-ZUBER, Christiane. Introdução. In: História das Mulheres. A Idade Média. Organizadores: Georges Duby e Michelle Perrot. Porto: Edições Afrontamento, 1992, p. 9-23.
KLAPISCH-ZUBER, Christiane. Masculino/feminino. In: LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean Claude (eds.). Dicionário temático do Ocidente Medieval. Vol. II. São Paulo: EDUSC, 2002, p. 137-150.
SCOTT, Joan. História das mulheres. In: A escrita da História. Novas perspectivas. Peter Buker (Org). São Paulo. Editora Unesp, 1992, p. 63–95.
SPIEGEL, Gabrielle M. History, Historicism and the Social Logic of the Text. Speculum, 65/1, pp. 59-86.

19 comentários:

  1. Voltada para o Ensino básico de História: a obra de Christine Pizan desconstruiria quase que totalmente a ideia de que o Medievo era masculino, uma vez que a autora possuía a mentalidade desse período, fincada em valores tradicionais da época?
    Ângela de Souza Lins

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada pela pergunta, Ângela.
      A obra "A cidade das damas" não tem o intuito de desconstruir a ideia de que o Medievo era masculino, inclusive Pizan trás em vários momentos afirmativas de que a época na qual ela vivia era sim baseada em concepções e preceitos masculinos. No entanto, ela busca com a sua obra resgatar muitas mulheres que fugiram à regra, assim como ela, e agiram diferente do que lhes era imposto, visando desconstruir um discurso misógino que era predominante e excludente e privava as mulheres de agirem como sujeitos ativos daquela sociedade.Com isso ela buscava também servir de modelo para muitas mulheres.
      No que diz respeito ao Ensino de História, a obra de Pizan poderia atuar exatamente com o intuito que a autora teve ao escrevê-la: evidenciar que em sua sociedade existia uma cultura misógina, mas que deveria ser mudada, uma vez que muitas mulheres, diferentemente do que era falado, agiam sim como sujeitos ativos na história e tinham assim como os homens a capacidade necessária para atuar em diversas áreas da sociedade.
      Raiely Godoi Melo

      Excluir
    2. Olá Ângela,

      Complementando a resposta de Raiely, A cidade das damas é uma obra com um potencial considerável para ser trabalhada. Escrita no começo do século XV, ela é uma das primeiras manifestações nas quais as mulheres são resgatadas de forma positiva. A autora, Pizan, deixa claro a sua aversão à visão masculina contrária às mulheres e, para isso, resgata mulheres do passado que atuaram em diversos âmbitos que em sua época eram ocupados por homens. Com isso, Pizan tenta estabelecer as mulheres nestes âmbitos, desvinculando da proposta de um olhar somente masculino para com os mesmos.

      Luciano José Vianna

      Excluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Apesar da autora trazer todos esses exemplos que mostravam que as mulheres, se colocadas nas mesmas condições de ensino que os homens, poderiam se destacar em várias áreas do intelecto, o que trouxe as mulheres à lutar por este espaço de forma mais ativa e que gerou grandes repercussões apenas na década de 60 do séc.XX?

    Daislan Carvalho

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Este comentário foi removido pelo autor.

      Excluir
    2. Obrigada pela pergunta, Daislan.
      Christine de Pizan, como relatado no texto, foi uma escritora do século XV, uma mulher que escreveu para mulheres em uma sociedade extremamente misógina, onde os preceitos culturais eram legados pelos homens. Ela aborda, como você mesmo citou, muitos exemplos de mulheres que se destacaram intelectualmente, algumas quando colocadas nas mesmas condições de ensino que os homens, o que não era comum no Medievo. No que concerne a isso, podemos destacar que mesmo as mulheres conseguindo em algumas situações se destacarem, não significa que a sociedade passou a se tornar mais igualitária, no que se refere as questões de gênero. Essas mulheres citadas, são as que fugiram à regra, as que "ousaram" agir diferente do que era o correto naquela época, e podemos dizer que essa questão se estendeu a muitos séculos e as mulheres não ganharam espaço tão rapidamente. O fato de existir um intervalo de tempo tão grande entre as mulheres citadas por Pizan, e as primeiras feministas da contemporaneidade que "ganharam" repercussão, está diretamente ligado aos preceitos culturais de cada sociedade, a como a mulher foi ganhando espaço ao longo da história, vista e compreendida como um sujeito ativo dessa história.
      O movimento feminista surge na década de 60 exatamente com o intuito de alargar ainda mais esse espaço que também pertence as mulheres, e ele ganha mais repercussão por que as mulheres conseguiram (ainda não totalmente) com sua luta, ser também vistas socialmente como responsáveis por fazerem história, tanto quanto os homens.
      Raiely Godoi Melo

      Excluir
    3. Olá Daislan, obrigado pela pergunta.

      O movimento feminista dos anos 60 do século XX promoveu décadas depois a entrada dos estudos sobre a mulher no contexto universitário. Outros contextos também foram sendo aos poucos "ocupados", como, por exemplo, o cinematográfico e o literário, onde cada vez mais produções com protagonistas femininas foram sendo elaboradas.

      Luciano José Vianna

      Excluir
  4. Pizan foi na contramão da sua época. Usou o privilégio de ter o domínio das Letras para ser notada, lutando por um espaço social, que era incluir a mulher no Campo das Letras. Mas, diante de tudo que Pizan escreveu, as mulheres continuaram por muito tempo silenciadas e até mesmo excluídas do processo histórico, já que a História era dos grandes homens e feitos. Contudo no século passado as mulheres ganharam notável espaço na História, não sendo mais passivas, mas sim, objetos e sujeitos.
    Em torno de todo esse universo literário que circundou Pizan e que dedicou anos da sua vida lendo, observa ao logo da sua obra - e como citado no texto - citações dos escritos de Boccaccio. Por que Pizan a todo momento se volta a esse autor? Séria mais viável citá-lo por ser homem e com isto seria mais facilmente aceito naquela sociedade? Ou por que séria a única obra que não caluniasse as mulheres?
    Maristela Rodrigues Lima

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Maristela, obrigado pela pergunta.

      É verdade que Pizan cita a Boccaccio em sua obra. Isso porque ele escreveu uma obra semelhante a que ela escreveu, "De mulieribus claris", considerada uma das primeiras obras dedicadas à recuperação da memória feminina. Como a obra de Pizan é semelhante, provavelmente ela conhecia e teve contato com esta obra de Boccaccio.

      Luciano José Vianna

      Excluir
    2. Obrigada pela pergunta, Maristela.
      Vale ressaltar, que o fato de a educação ser legada aos homens fazia com que os escritos da época fossem na sua grande maioria de autoria masculina, portanto o fato de Christine utilizar a obra de um autor reconhecido mostrava que havia também um outro pensamento acerca das mulheres, assim como o que ela expressou em sua obra.

      Raiely Godoi Melo

      Excluir
  5. Olá, Raiely...

    É sabido que a sociedade Medieval era dotada de um pensamento, majoritariamente, masculino e cristão. Do mesmo modo, sabemos que Cristine de Pizan escreveu sobre a sociedade na qual ela estava inserida e com os valores do seu contexto. Com base nisso e com relação ao ensino da História, quais são os desafios para se fazer as devidas problematizações e ressalvas acerca do contexto da autora e de sua obra dentro da sala de aula?

    At.te

    José Carlos da Silva Ferreira

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá José Carlos, obrigado pela pergunta.

      Pizan, assim como outras personagens femininas, podem ser resgatadas para serem trabalhadas no ensino de História, não somente porque se destacaram em termos de escrita e porque muitas vezes nos deparamos somente com personagens masculinos no ensino de História, mas também porque sua mensagem foi a de recuperar a memória de outras mulheres do passado. A partir destas duas propostas, poder-se-ia refletir sobre a utilização desta obra em um processo de ensino. Em relação à ressalva, dever-se-ia comentar que o Medievo não comungava da mesma perspectiva atual em termos de igualdade: os nobres, por exemplo, eram julgados pelos seus pares; havia uma diferença social entre um nobre e um burguês, etc... Dessa forma, uma ressalva seria o fato de que internamente ao grupo feminino, deveríamos saber sempre a que grupo social estamos nos referindo.

      Luciano José Vianna

      Excluir
    2. Obrigada pela pergunta, José Carlos.

      Assim como qualquer fonte de época, quando utilizada no contexto escolar, é necessário tomar os devidos cuidados para que não se passe aos alunos interpretações erradas.
      Devemos tomar os devidos cuidados com as generalizações, alertando que o texto escrito por Pizan estava direcionado à determinadas mulheres, aquelas de vida virtuosa, e não a todas do seu contexto, assim como comentado pelo professor Luciano Vianna no comentário acima.
      Cabe também evitar os anacronismos, colocando sempre a obra no seu contexto de produção e na sociedade na qual a autora viveu.
      Algumas questões que devem ser levadas em conta no momento da utilização da obra no contexto escolar, para que não acabem se tornando incoerentes.

      Raiely Godoi Melo

      Excluir
  6. Olá, Raiely

    Pizan é muitas vezes considerada por alguns como uma protofeminista, gostaria de saber se na sua visão, a autora pode ser considerada dessa forma, como uma representante dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero ou não? Você acredita que isso é anacrônico?

    Att. Mateus Carvalho Muniz de Souza

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Mateus, boa pergunta.

      Na minha opinião, sim, é anacrônico. A questão da igualdade de gênero é um aspecto contemporâneo da sociedade, pensando em termos coletivos. Explico: no período de Christine de Pizan, não havia a noção de igualdade social: nobres, burgueses, mercadores, artesãos, cavaleiros, servos, etc... os personagens são vários, mas não são considerados "iguais" entre si. Além disso, a própria obra de Pizan, A cidade das damas, resgata personagens femininas de destaque social no passado. É claro que, em relação ao período em si, considerando o contexto de composição da obra, A cidade das damas é uma obra que propõe um rompimento com uma tradição quase que milenar de aversão ao mundo feminino por parte do mundo masculino (me refiro aqui ao aspecto literário), e isso deve ser sempre considerado quando se analisa uma obra como tal, onde uma mulher escreve sobre e para as mulheres - e muitas das obras voltadas para um contexto feminino, até então, foram compostas por personagens masculinos.

      Luciano José Vianna

      Excluir
    2. Olá Mateus (continuando a resposta),

      Algo que também deve ser considerado é que, a partir das propostas do movimento feminista dos anos 60 do século passado, houve uma influência cada vez maior na questão de incluir/abordar/considerar a mulher como um personagem histórico ativo. Cada vez mais, a partir do começo dos anos 80 do século XX - aproximadamente - isso se refletiu no contexto universitário. Apenas para ficar nos exemplos de obras voltadas para o Medievo: Georges Duby e Régine Pernoud publicaram algumas obras sobre o contexto feminino medieval nesta década (1980), e isso ocorreu graças às questões levantadas pelo movimento feminista das décadas anteriores. Isso demonstra que há um vínculo estreito entre demandas sociais x desenvolvimento historiográfico x escrita da história, e demonstra a importância do movimento feminista desta década (1960) na escrita da história sobre as mulheres nas décadas seguintes. Uma autora excelente que trabalha com esta perspectiva é Joan Scott, em um dos capítulos do livro organizado por Peter Burke intitulado "A escrita da História". Indico a leitura e, a partir dela, você pode ir buscando outros textos da autora.

      Luciano José Vianna

      Excluir
    3. Obrigada pela pergunta, Mateus.

      Concordo exatamente com o que o professor Luciano respondeu, eu também vejo essa visão que você cita como anacrônica, até mesmo por que Christine deixa claro na sua obra que o resgate feito por ela, as lições direcionadas às mulheres e a cidade que ela constrói, está direcionada exatamente para aquelas mulheres que ela vê como merecedoras do refúgio contra a misógina da época, aquelas mulheres que eram virtuosas, que não viviam uma vida depravava e desregrada, diferentemente do que a gente vê no feminismo contemporâneo.
      O feminismo que surge na década de 60 é voltado para uma sociedade muito diferente da que Pizan viveu, portanto colocarmos o ideal defendido por esse movimento nela, torna-se anacronismo.

      Raiely Godoi Melo

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.