Nelson Barros da Silva Junior e Jaqueline Ap. M. Zarbato


ECOMUSEU E ENSINO DE HISTÓRIA: DIÁLOGOS SOBRE A IMPORTÂNCIA DE GRUPOS CULTURAIS E DE GÊNERO


 

Entrelaçar reflexões sobre ensino de história a práticas educativas referente a educação ambiental reside o objetivo deste artigo, aspirando, sobretudo analisar e propor a utilização do ecomuseu como prática docente dos professores da rede básica de educação na cidade de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul.

A emergência de direcionarmos nossos olhares as questões socioambientais se fazem jus a todo instante. Hoje está em pauta aquecimento global, desmatamento, desastres naturais e os causados por nós humanos que possuíamos grande parcela de culpabilidade acerca das questões ambientais que devastam o planeta a qual pertencemos. Eurípedes Funes [2013] destacou a humanidade como parte do planeta terra, no entanto, como a pior parte. Além disto, continuou a direcionar questionamentos importantes para debatermos, sobretudo, a respeito de quanto tempo o planeta suportará nossas práticas devastadoras e irresponsáveis que realizamos cotidianamente.

Eurípedes Funes destaca:

‘Grandes perguntas nos fazemos: A que ponto chegamos?    Por que e como chegamos? Que realidade é esta? O quê nos espera? As explicações técnicas estão dadas, ou pelo menos são elaboradas. Mas as respostas para a compreensão destas realidades só são possíveis se presarmos historicamente a relação entre homem e o meio ambiente, se nos debruçarmos sobre história ambiental buscando compreender as imbricações entre a natureza a cultura’ [Funes,2013, p.204]

Portanto, é necessário enfatizar que não trabalharemos história ambiental a partir da perspectiva dos desastres ambientais, pois seria necessário estudos e análises sobre períodos de média e longa duração, a qual não se alinha com os objetivos deste artigo.

José Augusto Pádua [2010], nos aponta que movimentos internos e mudanças importantes consolidadas especialmente no século XX referente a compreensão do mundo natural, geraram novos desafios epistemológicos aos historiadores ambientais. O autor destaca que a difusão das preocupações ambientais proporcionou novos desafios dentro da própria academia na última década, de modo, que veio a proporcionar novas pesquisas em diversas áreas envolvendo questões ambientais.

Compreendemos que a prática docente entrelaçada a prática eco-museologica amplia o leque de possibilidades de ensino, sobretudo, em relação aos professores de história, que constantemente se encontram delimitados as condições estruturais das escolas, ao livro didático e a própria limitação de fundamentação teórica-didática que compõem sua prática no âmbito formal de ensino.

A Comissão Internacional de Museus [ICOM], define museu como: ‘Os museus preservam a propriedade cultural mundial e interpretam-na ao público. Esta não é propriedade comum. Tem um estatuto especial na legislação internacional e normalmente, existe legislação nacional para a proteger. Faz parte do património natural e cultural mundial e pode ser de carácter tangível ou intangível. Muitas vezes, o bem cultural providencia também a referência primária em vários temas da área, tais como arqueologia e ciências naturais, e por isso representa uma contribuição importante para o conhecimento. É também, um componente significativo na definição da identidade cultural, a nível nacional e internacional´ [Lewis, 2004, p.01]

E nesse sentido, objetivamos demonstrar que as visitas aos museus colaboram para o aprofundamento do conceito de cultura, preservação, natureza, meio-ambiente, identidade e memória. Além disto, a visita proporciona o distanciamento das práticas didáticas tradicionais, práticas estas corroboram o discurso dos alunos, em relação a uma disciplina monótona, cansativa e necessária de ser decorada.

Isto posto, é notório a essencialidade de inserir as práticas educativas museológicas na fundamentação teórico-didática dos professores de história que atuam especialmente com o ensino fundamental. A emergente necessidade de refletir sobre novas possibilidades de ensino e aproximar o individuo do conceito e relação entre meio ambiente e homem ou vice-versa, se justifica, pois, como dito anteriormente, não podemos tratar como uma opção aprendermos sobre preservação, devemos tratar como prioridade essencial.

Apesar de estar inserida nos Parâmetros Curriculares Nacionais [PCN] desde 1997, a educação ambiental ainda se encontra distante de ser consolidada no Brasil. De acordo com Loureiro; Cossio [2007], a motivação inicial está relacionada a iniciativa docente de um ou mais professores, posteriormente aparece o estímulo apresentado pelos parâmetros curriculares nacionais. Seguindo nesta perspectiva, a educação ambiental no Mato Grosso do Sul começa a ganhar força em meados de 1980, sustentado por campanhas educativas que almejavam a inserção da disciplina Preservação Da Natureza no currículo das escolas nas redes estaduais do ensino médio, em Campo grande [Alves,2013]

Nesta ótica, compreendemos, sobretudo, a necessidade de desenvolver a possibilidade da utilização do ecomuseu como prática docente na rede de ensino. Atualmente o município de Campo Grande, possui quatro centros de educação ambiental [CEA] distribuídos pelos bairros da capital. No entanto, inferimos a necessidade de haver um espaço identitário para professores, alunos e comunidade. Assim, propomos a utilização do Museu José Antônio Pereiro, como um espaço ecomuseológico para o desenvolvimento de uma educação ambiental que construa e aproxime os alunos da relação entre homem e natureza, preservação, memória, identidade e valorização dos patrimônios históricos.

De acordo com Brulon [2015], Jean Blanc em 1972 definiu ecomuseu como um museu específico do meio ambiente que funcionava como um elemento do conhecimento. Por conseguinte, o autor destaca a ´´definição evolutiva´´ proposta por Jean Blanc em 1973. A definição abordava o ecomuseu como um museu ecológico, em meados de 1978 já se definia o ecomuseu como uma estrutura nova experimentada e concretizada nos parques naturais. Por fim, a última versão, define o ecomuseu como laboratório, conservatório e escola que prioriza as diversidades.

Conforme Scheiner [2012], o termo ‘ecomuseu’ começou a ser caracterizado como sinônimo de museu comunitário, baseado na fundamentação musealização territorial. A proposta do ecomuseu não é certamente revolucionária. Para mais, a autora destaca que o ecomuseu é uma reatualização do fenômeno museu e não uma ruptura com o museu tradicional. A autora apresenta o ecomuseu como uma alternativa para comunidades que desejam ressignificar suas relações com espaço, tempo e patrimônio. A autora enfatiza a necessidade de distanciar a ideia de dicotomia entre o museu tradicional e o ecomuseu, pois em ambas essencialidades, eles são representações do fenômeno museu. É necessário refletirmos sobre a proposta do ecomuseu onde a prática comunitária se perde, especialmente no âmbito político-partidário ou centralizada pelo Estado. Scheiner [2012], contribui amplamente para essas questões e destaca a necessidade de se construir uma proposta que cresce da base, ao invés de ser imposto do alto.

Tratando-se da prática museológica, a autora aponta que o destaque de inovação do ecomuseu traduz-se no modo de atuar as funções básicas da museologia. A autora direciona críticas aos museus comunitários, sobretudo, acerca da institucionalização que ocorreu em grande parcela dos ecomuseus no decorrer dos anos. De acordo com a autora, esta institucionalização aproxima cada vez mais o museu comunitário ou o ecomuseu, do modelo de museu tradicional, distanciando, dessa forma, a principal proposta de um ecomuseu construído, concentrado e inserido dentro da comunidade e não em posse de grupos ou indivíduos. Isto posto, pretendemos nos atentar as todas questões levantadas e propor medidas viáveis para utilização do ecomuseu de forma eficiente, de modo, que a comunidade consiga usufruir, preservar e criar ambientes de pluralidade.

Concepções acerca do ecomuseu e grupos culturais e de gênero: possibilidades de trabalhar com a memória e conceitos de sustentabilidade na história
Para abordar a questão de gênero, é importante inserir a definição de Joan Scott, ‘gênero é uma forma primaria de dar significado às relações de poder’ [SCOTT, 1995, p. 85].  A proposta em analisar a questão de gênero e sustentabilidade pelos ecomuseus,  pois impulsiona a discussão sobre o saber/fazer feminino, com fundamental inserção de mulheres em âmbito museológico.  Tanto que, no final do século XIX, o poeta francês Charles Baudelaire escreveu que os museus eram os únicos locais convenientes para uma mulher [PERROT, 2012, p. 101].

Longe de essencializar o lugar das mulheres, percebe-se que a metodologia ecomuseológica agrega as ações femininas com mais enfoque na mobilização, na manutenção de comunidades em prol de um bem comum. Em 1984 surgiu a Declaração de Oaxtepec [México] visou solidarizar-se com a Declaração de Santiago do Chile [1972], a Declaração do Québec [1984] e com os princípios da Ecomuseologia. Definindo na sua declaração que, o território, os patrimônios e a comunidade constituem uma unidade indissolúvel e que não é possível preservar uma sem os outros. Nesse sentido, aglutina-se o ecomuseu às comunidades em que estão inseridos e a preservação de meio ambiente.

Essa perspectiva é levada em conta na nossa pesquisa, em que pontuamos de que forma os grupos culturais estão envolvidos nos ecomuseus? Que defesa da sustentabilidade e meio ambiente estão envolvidas nas ações? Por que os governos estaduais e locais demoram a inserir a ecomuseologia como elemento de preservação?

Essas e outras questões nos impõem a dinâmica do ensino de história em diferentes níveis de escolarização. Amparando-se na “Convenção do Património Mundial, Cultural e Natural” [UNESCO, 1972] que definiu o patrimônio natural e as paisagens, dialogando sobre a possibilidade de integrar diferentes áreas e comunidades em torno da preservação.

Dessa forma, pode-se compreender o ecomuseu como um patrimônio ambiental que, segue uma dinâmica cercada de intervenções econômicas, sociais e culturais. E ao problematizar o processo de mudanças no patrimônio cultural, também inserimos a preocupação com a paisagem cultural.  Isso porque, a paisagem é patrimônio, a partir do momento em que é singular, em que as suas dimensões são singulares. O pode decorrer de duas referências: do apelo ao "solo", ou seja, à valorização do que se vê – é a paisagem no sentido mais estrito ou usual- e do apelo ao "passado", ou seja, à historia única que fez lugar [Lazzarotti, 2003].

Nesse processo de ampliação do entendimento dos ecomuseus, a questão de gênero impõe novas possibilidades de análise, que tem no ensino de história e na educação patrimonial as ações de inserção e problematização.  A discussão sobre Educação Patrimonial e ensino de história contribui para as possibilidades de diferentes leituras e intepretações de fontes históricas, dos espaços culturais, das paisagens, da memória, da produção de narrativas e da constituição da identidade. A Educação Patrimonial pode ser compreendida dentro de uma perspectiva de Paulo Freire, como um instrumento de “alfabetização cultural”, pois possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. 

Concebendo as inúmeras composições culturais em um Brasil múltiplo, diverso, complexo, e que podem favorecer o entendimento sobre pertencimento, estranhamento, valorização, manutenção, salvaguarda, reforço da autoestima dos indivíduos e das comunidades, tendo assim com as mulheres outras possibilidades de preservação e manutenção das comunidades em que vivem. A micro-história desenvolveu-se com os estudos de cultura, especificamente na interação entre o popular e o erudito nas ações cotidianas, relacionando as diferentes manifestações da cultura, desenvolvidas na Itália por Carlo GINZBURG [1989]. As proposições apoiaram-se nos conceitos da “circularidade cultural”, da “intertextualidade”, em que se fundamenta os ‘olhares’ sobre os campos de ação dos sujeitos, do popular ao erudito.

Neste sentido, pontuamos aprofundar as análises da micro história, no campo metodológico para abordar as concepções da história regional. Isso porque, os instrumentos de análise e procedimentos de investigação histórica permitem fazer essa relação, uma vez que pontuamos análise de patrimônios imateriais na história regional, que são representações de grupos culturais populares. A história regional faz a análise do cotidiano de uma comunidade, as suas representações na dimensão macro, já a micro história, na sua investigação busca a partir de fragmentos do cotidiano comunitário ou de um indivíduo, identificar macro-fenômenos sociais:

‘Quando abordamos a História Regional, enfatizamos a necessidade de pesquisarmos espaços e contextos que ficam esquecidos, sendo valorizados somente aspectos históricos nacionais ou temas já consagrados. [...] só se entende, então, metodologicamente falando, como parte de um sistema de relações que ela [região] integra. Deve, portanto, ser definida por referência ao sistema que fornece seu princípio de identidade. Assim, pode-se falar tanto de uma região no sistema internacional ou dentro de uma das unidades de um sistema político federativo. Pode-se falar igualmente de uma região cujas fronteiras não coincidem com as fronteiras políticas juridicamente definidas’. [BARROS, 2004, p. 152]

A proposição de Barros de abordar a região, mas relacionar politicamente com as fronteiras e até mesmo com a construção de identidades, contribui com nossa análise, na medida em que, os patrimônios culturais imateriais representam a cultura regional, bem como contribuem na concepção de identidades regionais.

Logo, ao longo da pesquisa lançamos nossos olhares para a multiplicidade de ações dos grupos culturais na manutenção dos ecomuseus e suas implicações na prática educativa histórica.

Referências
Dra. Jaqueline Aparecida Martins Zarbato é professora de história na UFMS, e coordenadora do grupo de estudos de ensino, mulheres e patrimônio [GEMUP]
Discente Nelson Barros da Silva Junior é voluntario pelo projeto de Iniciação Científica [PIVIC] no âmbito de Educação Patrimonial, Memória, Identidade Regional e História Ambiental.

ABREU, Regina; CHAGAS, Mário de Souza; SANTOS, Myriam Sepúlveda. Museus, colecções e património: narrativas polifónicas. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2007. [Museu, memória e cidadania].
BARROS, José D’ Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2004.
BITTENCOURT, C. Didática e ensino e História. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 
BRASIL, IPHAN, 2000.
BRULON, Bruno. A invenção do ecomuseu: O caso do Écomusée du Creusot Montceau-les-Mines e a prática da museologia experimental. Mana, v. 21, n. 2, p. 267-295, 2015.
BURKE, Peter [org.].A Escrita da História – Novas Perspectivas. São Paulo,UNESP, 1992.
FUNES, Eurípedes. História Ambiental–possibilidades de novos olhares. Migrações e Natureza. São Leopoldo: Oikos, p. 203-221, 2013.
LEWIS, G. O papel dos museus e o código de ética profissional. In: BOYLAN, P. J. Como gerir um museu: Manual prático. Paris: ICOM, 2004.
LOUREIRO, Carlos Frederico B.; COSSÍO, Mauricio F. Blanco. Um olhar sobre a educação ambiental nas escolas: considerações iniciais sobre os resultados do projeto “O que fazem as escolas que dizem que fazem educação ambiental?”. Conceitos e práticas em educação ambiental na escola, p. 57, 2007.
LUCCHESE, N. R., & Alves, G. L. [2013]. A educação ambiental nas escolas estaduais de ensino médio em Campo Grande, MS. Revista HISTEDBR On-Line, 13[51], 303-322.
PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estudos avançados, v. 24, n. 68, p. 81-101, 2010.
SCHEINER, Tereza Cristina. Repensando o Museu Integral: do conceito às práticas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 7, n. 1, p. 15-30, 2012.
UNESCO.Convenção do património mundial, cultural e natural, 1972. Disponível em:
http://portal.unesco.org/la/conventions_by_country.asp?language=E&typeconv=1&contr=pt. Acessoem 06jun. 2010

4 comentários:

  1. excelente abordagem! minha dúvida é: quais métodos práticos poderiam ser utilizados para despertar o interesse do aluno de ensino básico antes e durante a visitação no ecomuseu?

    thaylla giovana pereira da silva

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  2. Obrigado pela leitura.

    A utilização do ecomuseu como espaço para o ensino de história e educação ambiental tem ganhado força nos últimos anos. Nós podemos planejar um roteiro, composto por duas etapas. A primeira etapa poderá realizada na escola, com objetivo de contextualizar e apresentar a importância de nos atentar as questões ambientais. A segunda etapa poderá ser realizada no ecomuseu, com objetivo de apresentar a importância daquele espaço para natureza e a comunidade ao seu entorno

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  3. Obrigado pela leitura.

    A utilização do ecomuseu como espaço para o ensino de história e educação ambiental tem ganhado força nos últimos anos. Nós podemos planejar um roteiro, composto por duas etapas. A primeira etapa poderá realizada na escola, com objetivo de contextualizar e apresentar a importância de nos atentarmos as questões ambientais. A segunda etapa poderá ser realizada no ecomuseu, com objetivo de apresentar a importância daquele espaço para natureza e a comunidade ao seu entorno


    Nelson Barros da Silva Junior

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