ESCRITA DE SI, GÊNERO E
LOUCURA NA OBRA ‘HOSPÍCIO É DEUS’ DE MAURA LOPES CANÇADO
Maura Lopes Cançado foi uma escritora
brasileira conhecida pelas obras Hospício é Deus – Diário I e Sofredor do Ver.
Nascida em 1930, em uma tradicional e influente família da oligarquia rural
mineira, teve sua vida permeada por internamentos em instituições manicomiais.
Seu primeiro internamento ocorreu em 1949, voluntariamente, devido a crises
depressivas. Na década de 50 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde conviveu com
a elite intelectual e artística da cidade. Trabalhou nos periódicos Jornal do
Brasil e Correio da Manhã (veículos responsáveis pela publicação de grande
parte de sua obra literária composta, principalmente, de contos e crônicas). No
primeiro, publicava na coluna “Suplemento Dominical” ao lado de nomes como Reynaldo
Jardim, Ferreira Gullar e Carlos Heitor Cony. Seus contos, que foram escritos
simultaneamente às suas internações e tentativas de readaptação, renderam-lhe
aclamação e premiações. Alguns deles formam a coletânea intitulada “O sofredor
do ver”, publicada em 1968.
Publicado anteriormente, Hospício é Deus foi
escrito durante um de seus internamentos no Hospital Gustavo Riedel, no Engenho
de Dentro, pertencente ao Centro Psiquiátrico Nacional. Publicado em 1965, o
livro divide-se em duas partes. A primeira, de aproximadamente 30 páginas, é
uma espécie de autobiografia. O texto, descritivo e repleto de lembranças,
memórias e laços afetivos, enfatiza o período da infância e adolescência da
autora. Nele ela aborda suas crises epiléticas, os abusos sexuais sofridos
durante a infância, suas aventuras como integrante de um aeroclube e sua
prática de pilotar aeronaves, seu casamento e maternidade, bem como seu
conflito com o papel, ideal de mãe. Também relata, entre outras coisas, o
abandono do seu filho aos 03 anos de idade e o preconceito sofrido por ser uma
mulher separada (embora o divórcio não fosse instituído no país, nesse
período). Encerra relatando seu sofrimento com os reflexos do condicionamento
imposto pela sociedade a uma mulher jovem que percebe além do que é apresentado
como verdade. A segunda parte é composta
de um diário escrito entre 25 de outubro de 1959 e 07 de março de 1960. Nele,
Maura relata seu cotidiano, como percebeu e ressignificou sua experiência de
adoecimento e internamento. Além disso, aborda suas concepções sobre loucura,
os ditos loucos, sobre o funcionamento da instituição manicomial, dos
tratamentos, das relações com outras pacientes e também com médicos e demais
funcionários da instituição, bem como seu entendimento e relação com seu
diagnóstico, a esquizofrenia.
A
obra, que possui três edições e atualmente encontra-se esgotada, possibilita um
olhar sobre a hospitalização do ponto de vista da mulher institucionalizada
(isso num contexto em que a voz do paciente era obliterada pelo discurso
médico) tornando-se uma importante fonte sobre o cotidiano nos hospitais
psiquiátricos ao longo da década de 1960, além de apresentar denúncias acerca
das violências empregadas dentro das instituições. Nas linhas que seguem
dedicaremos nossa atenção na discussão sobre escrita de si, gênero e loucura.
De acordo com Milan [2016 p.154] os diários
se tornaram, ao longo do tempo, um espaço importante para a escrita de si
feminina “[...] servindo como um instrumento para a construção do ser; uma maneira
de se conhecer e de se fazer conhecer”. No que diz respeito ao processo de
hospitalização tais características da escrita e si pode adquirir um novo
significado: não apenas se conhecer, mas manter ativo na memória, por meio da
escrita, a imagem de quem se é ou imagina-se ser. Isso porque, quando uma
pessoa entra no ambiente hospitalar para receber cuidados médicos, há um
processo de transformação: o ‘eu’ anterior à internação é transformado na
figura do paciente e, a partir de então, passa a ser submetido às regras da instituição e as decisões feitas
pelos especialistas [CARAPINHEIRO, 2005]. Nesse sentido, são interessantes as
palavras de Carapinheiro [2005, p.56]: “Nota-se as formalidades da chegada ao
hospital e ao setor de internamento, o despojo das roupas e valores pessoais, a
atribuição de uma cama e a obrigatoriedade de a ocupar imediatamente, a
circulação das papeletas e das pastas onde passa a ser registrada uma outra
biografia, a biografia de um homem doente”. Maura registra sua percepção desse
momento em seu diário: “Estranha minha situação no hospital. Pareço ter rompido
completamente com o passado, tudo começa no instante em que vesti este uniforme
amorfo, ou, depois disto nada existindo – a não ser uma pausa branca e muda.
Estou aqui e sou. É a única afirmativa, calada e neutra como os corredores
longos” [CANÇADO, 1991, p. 32]
Tendo em vista que o ambiente hospitalar, em
especial os dedicados ao atendimento psiquiátrico, é marcado por esse ‘despojo do eu’ a primeira
reflexão que se faz pertinente é problematizar o que significava, dentro desse
contexto, ser mulher, internada e dedicar-se a escrita. Em outras palavras,
questionamos como a escrita de Maura expressa a visão de si e do espaço em que
estava.
Ao analisarmos a fonte observamos que a
loucura é o que “dá sentido” a narrativa de Maura e, ao mesmo tempo, é aquilo
que ela interpreta atribuindo sentido. Sua narrativa menciona o período da
infância, talvez numa tentativa de encontrar nela os primeiros indícios/sinais
dos elementos que, mais tarde a levam a passar por algumas internações
psiquiátricas. Nesse sentido observamos os sentimentos de inapropriação à
sociedade decorrentes de suas trajetórias e ações diante dos acontecimentos
(exemplo: suas crises epilépticas, os abusos, sentimento de culpa e a loucura)
como, também, as consequências de seus comportamentos, considerados fora dos
padrões estabelecidos, pela sociedade que a autora aponta como preconceituosa.
Ainda sobre a dificuldade de relacionar-se com os demais e na busca de sinais
que a ajudassem a compreender o que acontecia, aponta: “Aprendi que só tinha a
mim e minha presença me agradava. Lia sem parar, pensava muito – eu me impunha
uma disciplina interior espartana. O que eu buscava sem cessar era uma
coerência que desse sentido à minha vida. Talvez, se eu enlouquecesse,
conseguisse dar vida às coisas que existiam em mim e que eu não era capaz de
exprimir. [CANÇADO, 1991, P.63]
Deus e loucura na narrativa são termos
marcantes, a ponto de ser inserido no título do livro, sendo os dois termos
associados à ideia de distância e eternidade. O hospício seria o olhar sempre
vigilante e punitivo descrito na autobiografia, o local repressor. Porém,
também o local de refúgio. O lugar onde Maura buscava a estabilidade, a
compreensão não encontrada na sociedade. Wadi [2017, p.2] aponta: “A procura
por compreensão, a fuga da solidão, apesar da atenção e carinho que recebia em
seu local de trabalho, foram justificativas para a busca por internação.”
Comenta ainda que esses argumentos foram uma constante, tanto em internamentos
anteriores quanto posteriores.
Aprofundando o quesito distância, fica claro que Maura Lopes Cançado
sempre achou que havia uma distância entre ela e os demais, mesmo na sua família:
sua condição de filha amada, a classe social, o capital cultural e,
posteriormente, o divórcio e a loucura criaram a compreensão de que não
conseguia relacionar-se em igualdade com os demais. Em seus textos utiliza
adjetivos de superioridade e se auto intitula como “super Maura”, “hiper Maura”,
“Maurissíma”, “Maura de todas as coisas e nada” [CANÇADO, 1991, p.137]. Também
aborda essa ideia de distância ao comentar que procura sua dimensão humana no
olhar das pessoas, no outro – e não a encontra - e que seu reino não seria
desse mundo, onde tudo se mostraria difícil e insuportável [CANÇADO, 1991,
p.157]. A distância poderia ser, também, consequência do sentimento de
isolamento social. No processo de internação tais reflexões se acentuaram:
“O que me assombra na loucura é a distância –
os loucos parecem eternos. Nem as pirâmides do Egito, as múmias milenares, os
mausoléus mais gigantescos e antigo, possuem a marca de eternidade que ostenta
a loucura. Diante da morte não sabia para onde voltar-me: inelutável, decisiva.
Hoje, junto dos loucos, sinto certo descaso pela morte: cava, subterrânea,
desintegração, fim. Que mais? Morrer é imundo e humilhante. O morto é naúseo, e
se observado, acusa alto a falta do que o distinguia. [..] só diante do louco
tenha experimentado a sensação de eternidade. Nele não encontramos fala. Nos
parece excessivo, movendo-se noutra espécie de vibração. Junto dele estamos
sós. Não sabendo situá-lo fica-se em dúvida: onde se acha a solidão? O louco é
divino na minha tentativa fraca e angustiante de compreensão. É eterno.” [CANÇADO,
1991, p.26]
Nesse sentido, vemos na escrita uma primeira
tentativa de atribuir um sentido e ordem àquilo que parece sem razão e permeado
pelo caos. Mendes e Mendonça [2002, p.117] defendem que “A experiência da
doença se refere, basicamente, à forma como as pessoas e os grupos sociais
assumem a situação da doença ou nela se situam”. Escrever seria, então, o primeiro passo para
manter a sanidade e, ao mesmo tempo, manter-se como protagonista num contexto
em que aqueles considerados ‘outros’ (médicos, guardas e demais funcionários da
instituição) ignoram sua individualidade e, não raro, humanidade:
“O doente, ainda preso ao mundo de onde não
saiu completamente, tratado com brutalidade, desrespeito, maldade mesmo, reage.
Tenta agarrar-se ao mundo de onde não saiu completamente. Apega-se a seus
antigos valores, dos quais não se libertou tranquilo. Principalmente teme: a
característica do doente mental é o medo (não o medo das guardas, dos médicos.
O medo de se perder de todo antes de se encontrar). Considero um noviciado,
depois do que as provas perdem razão de ser [...]” [CANÇADO, 1991, p. 27].
De acordo com a análise de Maura, a
resistência era uma forma de manter-se na condição de sujeito, apesar da
violência praticada pela instituição. Era um mecanismo utilizado para dizer a
si mesma que não se entregou à vontade, não raro perversa, do outro. Assim,
mesmo as ações que em outros contextos seriam consideradas rudes e pouco
educadas, dentro do hospício eram uma forma de manter-se íntegro a quem se é:
chutes, uso de palavrões, jogar objetos, entre outros, são alguns dos exemplos
citados ao longo do diário. Wadi (2017) ressalta que Maura também aponta o peso
do diagnóstico, que passaria a definir as pessoas internadas. Com ele e a
consequente hospitalização, surgiriam mudanças que provocam efeitos na pessoa e
na forma como esta se observa e é observada, o que Goffman (1999) denominou
carreira moral. Para Wadi (2017), Maura se agarrava ao mundo externo para fugir
dessa carreira moral já iniciada. Essa resistência causava embates com médicos
e com a estrutura do hospital, que foi repetidamente questionada. Segundo Gomes
e Mendonça [2002, p.114]: “(...) podemos dizer que essa experiência depende
muito do que se entende por doença e que entendimento reflete, além dos
aspectos subjetivos, questões socioculturais mais amplas. Por isso nem sempre
os conceitos dos profissionais de saúde e o das pessoas que vivem a doença têm
os mesmos significados”. Os embates entre ela e os médicos são frequentes e,
conforme mencionado anteriormente, sua escrita é uma denúncia dos maus tratos,
tratamentos considerados inadequados, ameaças e outros. Maura observa a loucura
como algo diferente da doença mental e o seu receio “de se perder como um todo”
é uma constante em sua narrativa. Um dos símbolos desse receio é a forma como
aborda a terapêutica do pátio, um local onde acomodariam os pacientes mais
graves, aqueles que já não possuem medo ou reações.
Em sua escrita observamos que as internas
letradas recorriam a outro instrumento de resistência: o uso da escrita: “Aqui
estou de novo nesta ‘cidade triste’, é daqui que escrevo”. Não sei se rasgarei
estas páginas, se as darei ao médico, se as guardarei para serem lidas mais
tarde. Não sei se têm algum valor. Ignoro se tenho algum valor, ainda no
sofrimento. Sou uma que veio voluntariamente para essa cidade – talvez seja a
única diferença. Com o que escrevo poderia mandar aos “que não sabem” uma
mensagem do nosso mundo sombrio. [...] dizem que escrevo bem. Não sei. Muitas
internadas escrevem. O que escrevem não chega a ninguém – parecem fazê-lo para
elas mesmas. Jamais consegui entender-lhes as mensagens. [CANÇADO, 1991, p.
31].
Ainda que não tivessem a esperança de que
seus escritos fossem publicados, fica claro que a escrita se tornou para as
alfabetizadas um espaço/tempo importante para suportar e ressignificar a
experiência da internação. No caso de Maura, escritora já conhecida naquele
momento, dedicar-se ao diário teve mais dois significados que importantes a
serem destacados: 1) testemunhar o cotidiano das mulheres, de diferentes
classes, raças, gerações dentro do hospício e, a partir dessa observação in
loco, denunciar tanto o desconhecimento e descaso daqueles que nunca passaram
por tal experiência e, portanto, muitas vezes romantizavam o hospício e a
loucura quanto denunciar as práticas realizadas dentro daquele espaço. Outra
questão importante era 2) humanizar as internadas tirando-as do anonimato,
imposto pela família e pela instituição, e da desumanização, expressa pela
palavra paciente e por várias práticas hospitalares, que retirava dessas
mulheres a identidade (nome, gostos, talentos, estilo de vestuário, história) e
categorizava-as a partir da patologia transformando em única memória legítima
aquela narrada pelo prontuário.
Entre as mulheres que marcaram Maura Cançado
nessa internação, Dona Auda foi uma das mais citadas em seu diário. O primeiro
registro da escritora em relação à colega de internamento surge na página 27 e,
a partir de então, torna-se um dos nomes mais citados ao longo da obra,
dedicando-lhe manifestações de carinho e afeto. Descreve Dona Auda como uma
interna antiga, hospitalizada há mais de 20 anos, uma antiga modista.
Considerada um caso perdido, passava o dia no pátio, horas na mesma posição e,
quando não estava lá, fazia o que era esperado dela: o proibido. Para ela, Auda
tinha medo. E, por isso agredia, antes de ser agredida. Rasgava vestidos e
fazia gestos obscenos. Porém, no seu ponto de vista, as pessoas só se
aproximavam de Auda para insultá-la.
Inicialmente a admirava porque parecia-lhe
totalmente livre, pois não precisaria de mais ninguém. Posteriormente, entendeu
que aquela postura era o reflexo do sentimento de solidão e renegação. Como
todos, Auda necessitava de todo mundo.
A partir de Dona Auda vemos Maura refletindo
sobre o poder do ato de escrever.
Enquanto o hospício desumaniza — sendo a trajetória da colega de
internação um exemplo claro para Maura disso — o papel da escrita era humanizar
por meio das palavras. Relatar-se, nesse contexto, significava
responsabilizar-se [BUTLER, 2017] e fazer falar/reconhecer aqueles que, devido
à violência ética praticada em nome da suposta preocupação com a saúde mental,
foram sistematicamente retirados de cenas em que seus corpos poderiam ser
vistos e suas vozes ouvidas. Ainda que Maura e Dona Auda fossem ambas mulheres
internadas na mesma instituição, a escritora tinha consciência de que ainda
possuía instrumentos para que seu sussurro fosse escutado e, a partir dele, que
Dona Auda fosse vista para além da identidade ‘louca’.
Podemos dizer que Maura aproveitou
dois momentos para tornar pública a história de Auda: no conto
“Introdução a Alda”, publicado no livro o Sofredor do Ver e no seu diário
tornado público. Na perspectiva de Maura há uma clara distinção entre as
mulheres retratadas nos seus escritos, distinção essa expressa inclusive na grafia
do nome. A primeira, apresentada no conto, era a “louca” cuja imagem era aquela
descrita pela instituição. O desconhecimento da mulher por detrás da paciente é
observado inclusive no desconhecimento em relação a grafia correta de seu nome
(Com a letra u e não l como acreditou a autora). A repercussão do conto deu
visibilidade a Auda e possibilitou alterações nas atitudes das pessoas em
relação a ela. Maura observou que o texto possibilitou que a “Alda” retornasse
a ser “Auda”, ou seja, um ser humano, antes de ser alguém com uma patologia.
Sobre o impacto exercido pelo uso da escrita afirmou: “Para mim, só o amor e a
compreensão farão o milagre de descobrir Audas, desarmadas e autênticas.”
Referências
Bruna Alves Lopes é Licenciada em História,
mestre e doutora em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de
Ponta Grossa.
Geane Caroline Wiltemburg é Bacharel em
Turismo, Licenciada em História e mestranda em História na Universidade
Estadual de Ponta Grossa.
BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo: crítica
da violência ética. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica,
2015.
CANÇADO, Maura Lopes. Hospício é Deus. Diário
I, 3. ed., São Paulo, Círculo do Livro, 1991.
CANÇADO, Maura Lopes. O sofredor do ver, Rio de Janeiro, José Alvaro
Editor, 1968.
CARAPINHEIRO, Graças. Saberes e poderes no
hospital: uma sociologia dos serviços hospitalares. Porto: Edições Afrontamento
Ltda, 2005.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e
conventos, 9. ed., São Paulo, Perspectiva, 1999.
GOMES, Romeu; MENDONÇA, Eduardo Alves. A
representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa
em saúde. In: Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 2002, p.109 – 132.
MILAN, Letícia Portella. Escrita de si e
diários: construções do gênero diante de paradigmas socioculturais. Revista
Brasileira de História e Ciências. Vol.8. nº 15, 2016.
WADI, Yonissa Marmitt. “Estou no Hospício,
Deus”: problematizações sobre a loucura, o hospício e a psiquiatria no diário
de Maura Lopes Cançado (Brasil, 1959-1960). Asclepio Revista de História de la Medicina y la
Ciencia, vol 69, no2, 2017.
Ficou evidente em seu texto que para Maura Lopes o exercício da escrita no hospício seria uma forma de não perder as referências de si, ou de se conectar consigo em um espaço que contribuiu para o despojamento do eu. Gostaria de saber um pouco mais dos significados/relações de suas crises depressivas que foi citado no texto, pois ela me pareceu um personagem que fugia das imagens da mulher passiva, embora seja evidente ter sentido as dores e dificuldades do ser mulher em sua época.
ResponderExcluirBoa noite, Thiago! Como vai? Muito obrigada por sua leitura. Em seus relatos, Maura aponta crises depressivas e também loucura, irracionalidade, oligofrenia, demência, esquizofrenia, paranoia, epilepsia, personalidade psicopática, psicose maníaco-depressiva e outros. Normalmente não explica em que momentos se observa dessa forma ou aborda quais sintomas embasariam os diagnósticos. O que pudemos observar, conforme mencionado pela minha colega Bruna, foi a presença perene do sentimento de não pertencimento, de não enquadramento. Ao comentar as primeiras crises depressivas, ela comenta sobre como a sociedade observava, estigmatizava a mulher separada. Ao explicar o internamento voluntário escreve que haveria, fora dos muros do hospício, uma grande incompreensão. Atenciosamente, Geane Caroline Wiltemburg
ExcluirO exercício da escrita pelos internos em hospícios é de suma importância para entendermos o contexto das internações e os flagelos que este procedimento causa nos pacientes e como se relativa com as questões de poder! Parabéns pelo seu artigo!
ResponderExcluirLidiane Álvares Mendes
Obrigada Lidiane Álvares Mendes!
ExcluirEu e a Geane ficamos felizes que tenha gostado do trabalho. A obra autobiográfica da Maura é uma fonte muita rica para entendermos a intersecção entre gênero, classe e loucura, ainda mais num contexto anterior à reforma psiquiátrica. É interessante ver os mecanismos criados por cada sujeito para manter-se ativo num contexto que visa, de todas as formas, impor-lhe o silêncio e apagar as diferenças
Olá Thiago! Tudo bem? Realmente, conforme eu e minha colega (Geane) analisamos, Maura fugia da figura passiva de mulher que era o padrão da época. Acreditamos que a escrita de si no contexto da hospitalização significava tanto manter ativa uma memória de quem se era quanto (e talvez isso seja mais significativo) atribuir um sentido em relação a tudo o que estava acontecendo e sentir-se ativa, manter algum controle sobre a construção da imagem de si num contexto em que ela era despossuída de controle. Nesse sentido, se entendi sua pergunta, os sentimentos de solitude estão relacionados ao reconhecimento de não enquadrar-se, não sentir que possui um lugar para si e, conforme entende, isso desde a infância, ainda que amada pela família. Ela cria um "eu" e "eles", ao mesmo tempo que observa que foi inserida nessa dicotomia
ResponderExcluirBruna Alves Lopes
Parabenizo as autoras pelo texto! Muito instigante e com tema relevante. Contudo, fiquei com duas dúvidas pontuais e gostaria de colocá-las aqui: 1) O texto aponta que a primeira internação dela foi em 1949, por depressão. Minha questão é: isso consta na documentação? Pergunto pq nesse período era mais comum o termo "melancolia" e tal expressão englobava uma série de doenças mentais e estados de ansiedade. Isso faz diferença. Não tenho certeza se na década de 40 a palavra depressão era usada.QUESTÃO 02: o texto informa rapidamente sobre o abandono de um filho. Gostaria de saber se as autoras tem mais alguma informação sobre isso. Atenciosamente, Georgiane Garabely Heil Vázquez
ResponderExcluirBoa noite, Georgiane! Como vai? Ficamos felizes com a sua leitura. Muito obrigada. Respondendo sua primeira dúvida, termos como “crises depressivas”, “depressão” entre outros constam nos relatos de Maura. Por exemplo: “[...] Quase sempre pensava em matar-me.[...] Era acometida de crises depressivas que duravam dias e dias [...] (Cançado, p. 65). O termo depressão, tal qual conhecemos, é relativamente recente, data do séc. XIX, embora seja com Kraepelin, em 1921, que utiliza-se como uma categoria ampla referindo-se à “estados depressivos”. No caso do uso realizado por Maura vemos que, em muitos casos, na tentativa de atribuir um sentido à sua história o termo aparece quase como um sintoma ou uma descrição de situações em que perdia o ânimo ou o que considerava controle das emoções. Cabe lembrarmos que ela recebeu vários diagnósticos ao longo da vida, de mal comicial, passando por psicoce maníaco depressiva e esquizofrenia, entre outros. Na internação abordada no livro, a questão do diagnóstico era debatida entre os profissionais que a atendiam. Acho importante mencionar também que embora a primeira internação tenha ocorrido na década de 40, o diário e a breve autobiografia são escritos nos anos de 59 e 60. Ao escrever sobre a experiência vivida e a verbalizar em forma narrativa, ela utiliza termos ouvidos e utilizados nesse período, no qual o DSM I (1952) era vigente.
ExcluirSobre a segunda dúvida, aos 15 anos, ela era mãe e divorciada. Quem cuida da criança é a mãe dela, uma vez que Maura não se considerava apta a cuidar dele. Ela aborda a maternidade e lança questionamentos sobre ela e também sobre o casamento. No diário, menciona que, antes da internação, enviava presentes caros aos filho como forma de compensar a ausência. Comenta, também, que o nome de seu avião era uma homenagem ao filho, Cesarion Praxedes. Assim, a maternidade pode ser apontada como mais um elemento de distinção dela em relação às outras mulheres: uma vez que era divorciada e não cuidava de seu filho. Informações adquirida em entrevistas, como a de Carlos Heitor Cony à Folha de São Paulo dão conta de que, ainda que tivessem uma relação “distante”, mãe e filho mantiveram contato, ao menos até ela ser presa. Atenciosamente, Geane Caroline Wiltemburg
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns as autoras o texto é instigante, deixou em mim a curiosidade de ler todo o livro, mas a minha pergunta se refere ao foto do diagnóstico de loucura,esse que erroneamente era aplicado as mulheres que questionavam e estavam a frente de seu tempo,sendo assim taxados por não se enquadrarem nos padrões pré estabelecido pela sociedade, os sentimentos relatados assemelha-se a uma profunda depressão,como explicar o fato de Maura ter ido voluntariamente se internar?O que poderia ter levado ela a preferir um ambiente manicomial para ficar? Talves ela com todo seu conhecimento escrevendo para colunas importantes nao sabia lidar com seus sentimentos perante o mundo dito "externo" e preferia se isolar dele?
ResponderExcluirLilian Daiane Both
Boa tarde, Lidiane! Como vai? Agradecemos a leitura. O livro é fantástico e proporciona reflexões pertinentes. Vale a pena ler.
ResponderExcluirEm relação aos seus apontamentos, nós não abordamos a noção de diagnóstico na discussão. Inicialmente por não termos elementos para isso (não tivemos acesso aos prontuários e discussões sobre o diagnóstico no período desse internamento), mas também devido ao objetivo ser analisar o que a Maura falava de si, como ela percebeu sua experiência de adoecimento e internamento e como a retratou em seu diário. Já sobre ela ter se internado voluntariamente, percebemos em seus escritos uma sensação de não acolhimento, de não pertencimento. Como comentei com o Thiago, ela escreve que havia, fora dos muros da instituição, uma grande incompreensão. Concordamos que existe a hipótese de que ela não saberia lidar com o mundo externo, assim como que a própria doença poderia ser um complicador nesse processo. Uma outra hipótese seria a de que no mundo institucional ela encontrava um lugar para si, fosse o de doente mental, louca, denunciante. Já no mundo externo, a percepção é a de pertencimento a um não lugar, uma inaptidão. Esses sentimentos podem ter auxiliado na opção pelo internamento. Atenciosamente, Geane Caroline Wiltemburg.