GRUPOS SOCIAIS FEMININOS NO CONTEXTO FEUDAL: O TRATADO DO AMOR CORTÊS (C. 1186) NO ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
A proposta deste trabalho consiste em tratar
a condição feminina no Tratado do Amor Cortês de André Capelão, voltando-se,
portanto, para um campo de estudos que cada vez mais se delineou a partir dos
anos 70 do século passado, ou seja, a História das Mulheres e, de uma forma
mais específica, a História das Mulheres no Medievo. Ademais, este trabalho
também visa realizar uma análise introdutória sobre as possibilidades de
trabalho com o Tratado do Amor Cortês no ensino de História Medieval na
Educação Básica.
É necessário destacar que escrever sobre a
História das Mulheres é fazer uma reflexão sobre a situação social feminina na
história, independentemente do contexto histórico abordado. E este campo de
estudo começou a surgir no século passado. Segundo Joan Scott, existiam relatos
estabelecidos sobre a origem do campo da História das Mulheres, dos quais um
deles apresentou como premissa a política feminista (SCOTT, 1992, p. 64). De
acordo com essa narrativa, a História das Mulheres, como campo de estudos se desenvolveu
na década de 60 do século XX e se ampliou nas décadas seguintes.
Com o fortalecimento do campo da História das
Mulheres, fato que aconteceu também nas primeiras décadas do atual século,
pretendeu-se transformá-las em sujeitos históricos e em temas de estudo da
história, uma vez que o homem era a base da historiografia moderna ocidental.
(SCOTT, 1992, p. 66-77). De acordo com Sharp: “tradicionalmente, a história tem
sido encarada, desde os tempos clássicos, como um relato dos feitos dos
grandes.” (1992, p. 40). É notório que a Escola dos Annales, um movimento
historiográfico que surgiu na França em 1929, proporcionou a ampliação dos
objetos de estudo da história, principalmente em sua terceira geração, porém, é
necessário ter em mente ainda a permanência de abordagens da história
tradicional, a qual é reproduzida muitas vezes nas aulas de história e nos
livros didáticos.
Gradualmente ocorreram mudanças em termos de
ensino de História destacando o papel das mulheres no período do Medievo (BNCC,
2018, p. 420-421), passando, portanto, a incluir a necessidade de se fazer
reflexões sobre o papel da mulher na história. A História das Mulheres na
perspectiva da História Medieval é uma possibilidade para o conhecimento e
utilização de uma diversidade de fontes primárias que apresentam em seus
conteúdos grupos sociais de mulheres existentes nesse período, capazes de serem
traduzidas a partir de nossas inquietações do presente e que, portanto, servem
também para serem abordadas no processo de ensino de História e formação dos
futuros cidadãos no âmbito escolar.
O
Tratado do Amor Cortês: entre a utilização da memória e a representação social
O Tratado do Amor Cortês foi composto por
volta de 1186 no norte da França, e está dividido em três livros que comentam
sobre o que é o amor, como mantê-lo e a sua condenação, respectivamente. O
objetivo principal do Tratado é tratar da concepção do amor no âmbito do
feudalismo, uma vez que estava direcionado para o amor entre os nobres (VIANNA,
2018).
O contexto no qual essa obra foi composta foi
marcado pelo feudalismo. Assim, as práticas e os comportamentos presentes nela
são reflexos do contexto feudal, uma vez que o Tratado do Amor Cortês se
caracteriza como um tratado normativo. Para Raúl Cesar Gouveia Fernandes, os
pesquisadores devem observar os dados históricos considerando o contexto no
qual os mesmos foram compostos. Isso configura uma interação com princípios
culturais e sociais da época, que permite uma investigação de qualidade.
(FERNANDES, 1999, p. 9) Assim, compreendemos que pela influência da relação
feudal de vassalagem “a mulher é equiparada a uma suserana; [...] o amante
mostra submissão total à mulher, exprime o desejo de ser aceito como seu
vassalo e oferece-lhe incansavelmente os seus serviços.” (BURIDANT, 2000, p.
39).
É necessário salientar que o Tratado do Amor
Cortês se constitui como um registro literário. De acordo com Jaume Aurell, na
historiografia do Medievo existe uma proximidade entre o historiador e o
acontecimento narrado (AURELL, 2013, p. 99). Todavia, não está clara a intenção
de Capelão de escrever fatos propriamente históricos. Na verdade, entre os
séculos XI e XII, constatou-se o auge da escrita produzida no âmbito laico,
embora a sociedade se caracterizasse como cristã, visto que permaneceu, durante
muitos séculos, a perspectiva religiosa juntamente com a leiga na escrita da
história.
Segundo Patrick Geary, a retomada de uma
informação segue o curso da memória e ocorre seguindo a evidência de impulsos
precedentes, partindo do presente até o objeto buscado (2002, p. 178). Assim,
Capelão, ao falar sobre o Amor Cortês, embora tenha como foco o contexto nobre,
aborda também, ainda que brevemente, o contexto de outros grupos sociais
femininos, justamente para deixar claro que os mesmos não participam dos jogos
do Amor Cortês. Com isso, delineia em sua obra uma diversidade de grupos
sociais femininos, os quais, muitas vezes, sequer são mencionados em um
contexto de Ensino de História e nos livros didáticos utilizados em sala de
aula.
De acordo com Aleida Assmann: “em todas as
camadas sociais a mulher constitui o pano de fundo sobre o qual se ergue a fama
masculina, luzente” (2011, p. 67). Portanto, tais grupos sociais femininos
estavam como pano de fundo na construção da memória textualizada de Capelão e,
posteriormente, foram rememorados através da sua fama no registro histórico.
Para Aleida Assmann, a fama se constitui como a recordação abundante de
glórias, a qual o indivíduo pode alcançar durante a vida. Ademais, se
caracteriza como um modo secular de autoeternização (2011, p. 37). Neste caso,
através do Tratado do Amor Cortês, é possível ter conhecimento e nos
aproximarmos aos grupos sociais femininos existentes no contexto feudal.
Em termos metodológicos, para se trabalhar
com a perspectiva feminina no Medievo é necessário considerar o filtro
masculino encontrado na maioria das fontes (KLAPISCH-ZUBER, 1992, p. 16),
filtro este que se refere a um processo de representação de mundo. Ainda de
acordo com a autora: “há poucos textos, poucas imagens da mulher e da família
que nos transmitem a voz das principais interessadas. O eco dos prazeres e das
dores quotidianas, das alegrias ou das discussões domésticas chega-nos, tingido
de compreensão, de malícia ou de hostilidade evidente, com muito mais
frequência dos homens do que das mulheres. [....] tudo o que se sabe sobre o
assunto reflete a influência da informação e deformação das fontes provenientes
das camadas mais altas da sociedade: a classe cavaleiresca, para o período mais
antigo e a burguesia, das cidades, para os finais da Idade Média” (1992, p.
194). Entendemos, portanto, que as fontes medievais apresentam um filtro sobre
o mundo feminino, representando-o a partir de questões e propostas particulares
dos seus autores. Neste sentido, sobre o processo de representação recuperamos
as palavras de Chartier: “As representações do mundo social assim construídas
(...) são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí,
para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a
posição de quem os utiliza”. (CHARTIER, 1998, p. 17).
André Capelão foi um clérigo secular. Havia
uma diferenciação básica entre o clérigo secular e o clérigo regular, uma vez
que o primeiro é encontrado nas cortes feudais e o último nos monastérios,
seguindo alguma regra de vida. Essa constatação mostra que Capelão estava muito
próximo à realidade das mulheres nobres, por isso existe um detalhamento
comportamental considerável sobre elas no Tratado do Amor Cortês. Entretanto,
devemos destacar que, embora o espaço e o tempo de escrita de Capelão estejam
voltados para um contexto nobre, percebemos em sua obra aspectos destacados
para as mulheres que pertenciam a outros grupos sociais no contexto do
feudalismo.
Os
grupos sociais femininos no Tratado do Amor Cortês: uma diversidade social para
o Ensino de História Medieval na Educação Básica
1.
As mulheres burguesas. O grupo social feminino burguês está presente na obra
como participante da corte do amor. Contudo, o autor adverte que o amor somente
é possível entre os grupos da mesma condição social, ou seja, uma burguesa pode
apenas ter o amor de um burguês. Como se trata de um tratado normativo,
pressupõe-se que André Capelão desejou corrigir a comum transposição dos
limites comportamentais, no que diz respeito ao amor entre homens e mulheres de
ordens sociais distintas. Por isso, apresentou no seu discurso a insatisfação
em relação à realização do amor entre burguesas e nobres. Na perspectiva de
Capelão, as mulheres burguesas se comportam como mulheres distintas na medida
em que elas não confessam possuir beleza e virtudes (CAPELÃO, 2000, p. 25).
Segundo ele, elas praticam a arte sofista ao expressar suas palavras. O
fragmento seguinte expõe essa ideia, representando o diálogo entre uma burguesa
e um plebeu e uma plebeia: “Admiro tuas palavras, a arte de sofista com que
procuras pilhar-me em falta.” (CAPELÃO, 2000, p. 31).
2. As mulheres religiosas. Outro grupo social
que encontramos na obra de André Capelão são as religiosas. Em relação ao
assunto principal da narrativa da obra, as mesmas são caracterizadas como
atraentes e belas, as quais aceitam facilmente os desejos de um homem quando
possível. O fragmento seguinte apresenta essa ideia: “Logo começamos a nos
sentir violentamente atraídos por sua beleza e a ser cativados pelo encanto de
suas palavras.” (CAPELÃO, 2000, p. 197-198). Dessa maneira, para Capelão, as
mulheres religiosas possuem muitos encantos, porém, um homem nobre que aceita o
amor de uma mulher religiosa pode perder a sua reputação (CAPELÃO, 2000, p.
196-198).
3.
As mulheres prostitutas. Em sua obra, Capelão também se refere às prostitutas.
Percebemos essa ideia no fragmento seguinte relacionado à característica do
amor: “O amor verdadeiro vem apenas da afeição do
coração, é por pura graça e por pura generosidade que o damos. Essa dádiva
preciosíssima é inestimável e não pode ser maculada pelo dinheiro. Mas, se uma
mulher possuída pela paixão da cupidez a ponto de se dar a um amante por
dinheiro, ninguém deverá considerá-la apaixonada, mas, ao contrário, achar que
ela falsifica o amor e classifica-la entre as prostitutas nos lupanares”
(CAPELÃO, 2000, p. 198-199). Para Capelão, as
prostitutas demonstram um amor fingido para se apropriar das riquezas dos
homens, uma vez que isso se caracteriza como comércio do amor (CAPELÃO, 2000,
p. 199).
4.
As mulheres camponesas. A seguir, André Capelão trata do amor entre os
camponeses, também chamados na fontes de “rústicos”, no qual mencionou as
camponesas. Para ele, a prática do amor cortês entre o grupo camponês se
constitui como impossível, uma vez que este grupo possui funções para trabalhar
a terra. Verificamos essa ideia no fragmento seguinte: “Mas mesmo que,
contrariando a sua natureza, lhes aconteça – raramente, é verdade – ser
instigados pelo aguilhão do amor, não convém iniciá-los na arte de amar: seria
de se temer que, desejando comporta-se em oposição às suas disposições inatas,
eles abandonassem a cultura das ricas terras que frutificam habitualmente
graças a seus esforços, e que estas se tornassem improdutivas para nós”
(CAPELÃO, 2000, p. 207). Dessa forma, percebemos a representação que Capelão
elaborou em relação às mulheres camponesas. Os comportamentos sociais destacados
provocam a exclusão delas da corte do amor, pois, abandonar o trabalho da terra
para se dedicar ao amor prejudicaria o modo de vida nobre, uma vez que os
nobres usufruíam do cultivo da terra feito pelos camponeses (CAPELÃO, 2000, p.
207).
5. As mulheres cortesãs. O último grupo
social feminino que encontramos na obra de André Capelão são as cortesãs.
Existe uma diferenciação entre a cortesã e a prostituta no Tratado do Amor
Cortês, uma vez que a primeira é encontrada nas cortes feudais, e a última em lupanares
e nas ruas. De
acordo com Capelão, é necessário evitar a prática do amor das cortesãs, pois
este é revestido pela indecência e conduz o homem nobre ao pecado. Como ocorre
com as mulheres prostitutas mencionadas anteriormente, na perspectiva de Capelão,
os deleites do corpo em troca de presentes e dinheiro são considerados
comportamentos nefastos. O fragmento seguinte mostra essa ideia: “Aliás, mesmo
ocorrendo que uma mulher dessas se apaixone, não resta dúvida de que seu amor é
funesto para os homens: todos os que tenham bom senso reprovam o comércio
íntimo das cortesãs, e quem as frequenta perde a boa reputação” (CAPELÃO, 2000,
p. 208).
As possibilidades do Tratado do Amor Cortês
no Ensino de História
Como
podemos observar, o Tratado do Amor Cortês é uma fonte rica em termos de
diversidade de representações sociais, principalmente voltadas para o contexto
feminino no feudalismo, um período tradicionalmente conhecido como masculino.
Mesmo que tenha sido composto para demonstrar as características do Amor Cortês
entre o grupo nobre, o Tratado, indiretamente, apresenta uma diversidade de
situações sociais na época de Capelão, fato que propicia a esta fonte uma gama
de possibilidades de abordagem em termos de Ensino de História, principalmente
no sentido de desconstrução de ideias equivocadas sobre o período em relação à
atuação feminina na sociedade. Por exemplo, ao comentar sobre este mesmo
período, Georges Duby fez a seguinte afirmação sobre o contexto intelectual
feminino no século XII: “as damas do século XII sabiam escrever, e com certeza
melhor que os cavalheiros, seus maridos ou seus irmãos. Algumas escreveram, e
talvez algumas tenham escrito o que pensavam dos homens. Mas praticamente nada
subsiste da escrita feminina.” (1995, p. 9).
O
Tratado do Amor Cortês é uma fonte que apresenta uma visão de mundo sobre as
práticas e os comportamentos do Amor Cortês, o qual não estava acessível a
todos os grupos sociais da época, apenas à nobreza. A fonte em si, utilizada em
sala de aula, serve para demonstrar a lógica comportamental da sociedade
feudal. Porém, como um documento como o Tratado do Amor Cortês pode ser
utilizado nas aulas sobre o feudalismo na Educação Básica? Como a obra de
Capelão pode ser utilizada para abordar a situação social feminina no contexto
feudal? A seguir apresentamos algumas reflexões iniciais sobre como este
documento pode ser utilizado no processo de Ensino de História, as quais,
obviamente, não se esgotam neste trabalho:
1)
Em primeiro lugar, utilizar um documento como este em um contexto escolar serve
para destacar a presença feminina no contexto feudal, período geralmente
conhecido a partir da ótica e ação masculinas – com ênfase no aspecto bélico e
nas relações sociais de vassalagem e de senhorio – desmistificando, assim, a
ideia de um Medievo masculino; 2) Ademais, tal fonte também pode ser utilizada
para demonstrar uma diversidade social em termos femininos, o que auxilia o
discente a compreender a existência de diversos grupos sociais no contexto, o
que muitas vezes pode não estar presente em termos de materiais didáticos, como
o livro didático; 3) Por fim, o Tratado serve para se aproximar à lógica
comportamental da sociedade feudal, a partir da visão de Capelão, na qual os
grupos apresentados na narrativa tinham suas funções naquela sociedade. E
dentro desta lógica comportamental encontramos grupos femininos que estavam
presentes naquela sociedade.
Considerações
finais
No decorrer da década de 1970, os estudos
sobre a História das Mulheres no Medievo trouxeram inúmeras possibilidades de
abordagens e de fontes, as quais foram importantes para o conhecimento das
experiências históricas medievais femininas. O Tratado do Amor Cortês consiste
em uma composição cultural na qual constam experiências de seu autor, André
Capelão, voltadas para o mundo feminino no feudalismo, ou seja, os grupos
sociais que eram formados por mulheres no contexto feudal. Assim, a memória
social do grupo feminino está cristalizada no Tratado do Amor Cortês, incluindo
aqueles grupos que não eram o objetivo do autor.
Capelão, ao escrever sua obra, buscou um
incentivo no presente e se voltou para o passado, conseguindo, dessa forma,
recuperar a memória dos grupos sociais de mulheres e reformulá-la com objetivos
específicos para utilizar no seu discurso. Mesmo que o seu foco tenha sido as
mulheres nobres, de uma forma indireta, o autor, a partir da lógica do Amor
Cortês, deu destaque para outros grupos sociais femininos existentes em sua
época.
O Tratado do Amor Cortês nos permite romper
não somente com a ideia de um Medievo exclusivamente masculino, mas também com
a ideia de representação única da mulher no período medieval em termos sociais,
assim como nos tem permitido compreender a situação das diferenças sociais – e
os motivos destas diferenças – no contexto do feudalismo. Desse modo, é
importante ressaltar que os grupos sociais femininos estão presentes na obra em
espaços sociais distintos e, consequentemente, possuem uma abordagem
diferenciada por André Capelão. Por isso, é preciso ter uma atenção específica
para cada grupo, e isso deve ser refletido e levado em consideração pelo
professor em um contexto de ensino de História.
Luciano
José Vianna é Professor Adjunto de História Medieval da Universidade de
Pernambuco/campus Petrolina. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação
em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI) da
Universidade de Pernambuco/campus Petrolina. Doutor em Cultures en contacte a
la Mediterrània pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). Membro do
Institut d’Estudis Medievals (UAB-IEM). Coordenador do Spatio Serti – Grupo de
Estudos e Pesquisa em Medievalística (UPE/campus Petrolina).
Juliana
Caroline de Souza Araújo é graduanda do Curso de História da Universidade de
Pernambuco/campus Petrolina e integrante do Spatio Serti – Grupo de Estudos e
Pesquisa em Medievalística (UPE/campus Petrolina). Atualmente realiza seu
projeto de Iniciação Científica como bolsista da Fundação de Amparo a Ciência e
Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) sob a orientação do Prof. Dr.
Luciano José Vianna, cujo título é “A representação da mulher no Tratado do
Amor Cortês: práticas, comportamentos e condição feminina no século XII.”
Fontes
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do Amor Cortês. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
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Acesso em: 05 abr. 2020.
BURIDANT,
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Raúl Cesar G. Reflexões sobre o estudo da Idade Média. Revista Videtur, 6,
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GEARY, Patrick. Memória. In: LE GOFF, Jacques e
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KLAPISCH-ZUBER,
Christiane. Introdução. In: História das Mulheres. A Idade Média. Organizadores:
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KLAPISCH-ZUBER,
C. A mulher e família. In: LE GOFF, J. O homem medieval. Lisboa, Editorial
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SCOTT,
J. História das Mulheres. In: Peter Burke. (Org.). A Escrita da História: Novas
Perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p. 63-95.
SHARPE,
J. A História vista de baixo. In: Peter Burke. (Org.). A Escrita da História:
Novas Perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p. 37-62.
VIANNA, Luciano J. Regras e comportamentos
sociais no Tratado do Amor Cortês de André Capelão (s. XII). Ponta de Lança.
Revista Eletrônica de História, Memória e Cultura, vol. 12, p. 204-219, 2018.
Enquanto Ensino de História, caso o estudo seja a participação feminina na sociedade feudal, a obra de André Capelão necessita de uma problematização acerca do papel social feminino, ou ele já traz essa problematização em seu discurso?
ResponderExcluirÂngela de Souza Lins
Olá Ângela, obrigado pela pergunta.
ExcluirComplementando a resposta de Juliana, sim, deve haver uma problematização, especialmente porque André Capelão escreveu com outro intuito, ou seja, o de se voltar para os aspectos do amor cortês. Porém, ao fazer isso, e delimitar os grupos sociais que fariam parte deste contexto, ele apresenta os grupos "excluídos" do mesmo, ou seja, as camponesas, prostitutas, cortesãs e religiosas. É neste momento que o professor/pesquisador deve ter um olhar mais atento para a fonte, pois, embora este não fosse o objetivo de Capelão, ele deixa claro, no seu contexto, a existência de outros grupos sociais femininos no período feudal.
Luciano José Vianna
Bom dia Ângela. Boa colocação. Sim, é necessário haver a problematização do discurso de André Capelão em sala de aula, principalmente na abordagem dos grupos sociais femininos presentes no Tratado do Amor Cortês. Isso ocorre pois o que Capelão escreveu consiste em uma representação imbuída com interesses de seu contexto. O contexto é de grande importância para compreendermos o discurso. Pensamos que no século XII, sua escrita estava voltada para os homens, especificamente um homem chamado Gautier. Ele pretendia ensiná-lo o jogo do amor, o amor que fazia-o enfrentar desafios para conquistar a dama, trazendo-o virtude. Dessa forma, trata-se de um discurso masculino e religioso, uma vez que André Capelão era um clérigo e objetivava guiar os homens com essa obra. De acordo com George Duby, ela é considerada um guia pedagógico. Inicia-se com ensinamentos sobre o amor e termina com a etapa espiritual. Por isso, a misoginia está presente de forma substancial. Existem as mulheres que são marginalizadas do amor cortês, como as camponesas, prostitutas, cortesãs e religiosas, que possuem um conteúdo menos detalhado e na abordagem possuem a perspectiva misógina de André Capelão. Isso já é algo a ser problematizado com os alunos e dessa forma, conseguiremos mais fontes para ampliar o nosso debate sobre elas em sala de aula. Poderemos alertar a presença da misoginia para que esse grupos sejam analisados fora da caixa, como grupos que produziram cultura em sua época. Portanto, ressalto que o autor da obra em questão traz muitos elementos sobre o modo de vida desses grupos sociais de mulheres. No entanto, são proveitosos se problematizados, com as questões que pontuei. Agradeço sua participação.
ResponderExcluir- Juliana Caroline de Souza Araújo
Olá, Juliana
ResponderExcluirCom base na leitura do texto acima, eu gostaria de saber de que forma a representação dos grupos sociais femininos, feito pelo autor André Capelão, deu visibilidade as mulheres no contexto feudal?
At.te
José Carlos da Silva Ferreira
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirBom dia, José Carlos. No Tratado do Amor Cortês, a mulher de berço nobre torna-se altamente relevante.Com base no Feudalismo, a relação amorosa tinha a mulher como suserana e o homem como seu vassalo. Dessa forma, a dama nobre possuía a liberdade de escolher um homem virtuoso. Por isso, as mulheres nobres estão em evidência nessa obra e consequentemente são peças importantes para o jogo do amor cortês. Embora exista a misoginia. Segundo Duby, a tolerância dada às mulheres, marcada por privilégios grotescos. Haja vista, a liberdade de dar ao amante um tempo de diálogo.
Excluir-Juliana Caroline de Souza Araújo
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirOlá José Carlos,
ExcluirBoa pergunta. Na verdade, foi uma visibilidade muito limitada. Há duas formas pelas quais gosto de observar a obra de Capelão: uma direta e outra indireta. A direta é a que está voltada para o objetivo de Capelão, a nobreza, e dentro dela o grupo feminino. A indireta, quando exclui os demais seguimentos sociais, e assim coloca em evidência outras mulheres, como as camponesas, as religiosas, as prostitutas, etc... Em relação à visibilidade no contexto feudal, veja que a mulher nobre no Tratado do Amor Cortês tem o mesmo "poder de voz" que o homem nobre, os dois mantêm um diálogo "à altura", o que não acontece com outros grupos. Assim, se houve esta visibilidade ela foi "dada" ao grupo feminino nobre. Isso não impede que nós, historiadores e historiadoras do século XXI, possamos observar a existência de outros grupos sociais que não pertenciam ao contexto do amor cortês.
Luciano José Vianna
Primeiramente, parabenizo aos autores envolvidos, ótimo texto.
ResponderExcluirComo citado no texto, a mulher medieval passava por um filtro masculino, e não é diferente nessa obra, sendo seu autor, um homem. Mas, a questão é, o que levou Capelão a sair da sua comodidade - no caso, a nobreza -, para falar de tantas mulheres? Ele tinha acesso as todas as camadas sociais? E, por ser um contexto misógino, ele evidencia isso na sua obra, ou destina mais para o contexto do amor, não se ocupando em caluniar as mulheres?
Att.
Maristela Rodrigues Lima.
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ExcluirBom dia, Maristela. Ótimas indagações. O Tratado do Amor Cortês trata-se de um código comportamental para a nobreza. Com prioridade aos homens nobres. André Capelão buscou ensinar e apresentar as regras da cortesia e persuadir o leitor. Quando ele comentou, mesmo que em poucos detalhes, sobre esses grupos sociais femininos, ele pretendeu principalmente alertar os homens sobre o desprezo que eles devem ter ao ceder aos desejos das religiosas, prostitutas, camponesas e cortesãs. Além disso, instruir sobre as causas e consequências desse ato. Ainda, poderemos salientar a transposição dos limites sociais. O amor não é possível para todos os grupos sociais. Desse modo, Capelão salientou de forma indireta esses grupos sociais de mulheres, para orientar a sociedade da sua época. De acordo com Duby, por mais que o amor à maneira camponesa não fosse descartado, era esperado que um homem nobre se limitasse ao seu espaço social que era a corte. As informações que ele detinha dessas mulheres, foram adquiridas a partir da sua vivência. Podemos considerar que ele possuía mais proximidade com as mulheres nobres, pois vivia no ambiente cortês. Quanto à misoginia, é possível perceber com clareza em toda a obra. Observamos que nas duas primeiras partes ele se dedica ao jogo do amor, não deixando de dispensar comentários negativos para os seguintes grupos sociais: religiosas, camponesas, prostitutas e cortesãs. Contudo, na terceira parte denominada Da condenação do amor, Capelão generalizou sua aversão ao feminino com a inclusão das mulheres nobres. Nesse momento, ele conduz muitas críticas negativas. Agradeço sua participação.
Excluir-Juliana Caroline de Souza Araújo
Olá Maristela, boa tarde.
ExcluirExcelente pergunta. Veja, como havia respondido ao José Carlos mais acima. O objetivo de Capelão era a nobreza, incluindo ai as mulheres nobres. Porém, ao excluir diversas outras mulheres do âmbito do amor cortês, Capelão coloca em evidência a existência de outros grupos femininos: religiosas, prostitutas, cortesãs, etc... Neste aspecto, somos nós, historiadores e historiadoras do século XXI, preocupados em tornar evidente os grupos sociais na história, que devemos observar isso. Seu objetivo é tratar do amor cortês, mas, em alguns momentos da obra fica evidente a perspectiva misógina e de exclusão feminina de alguns cenários da época feudal.
Luciano José Vianna
Mesmo o autor abordando mulheres de outros grupos sociais e não se prendendo apenas a nobreza, nota se com o modo pelo qual ele se refere a elas a presença do discurso sexista e misógino do período feudal. Sendo assim, é possível em sala de aula abordar as obras de André Capelão a partir de uma visão critica a fim de problematiza-las?
ResponderExcluirAlém disso, em sua opinião é viável fazer um paralelo, utilizando dos textos de Capelão entre a visão feudal e contemporânea da mulher na sociedade, com intuito de identificar quais resquícios desse período ainda permanecem após séculos do seu fim?
Parabéns pelo texto foi bastante esclarecedor.
Evelin Souza dos Santos
Boa noite Evelin. É possível sim problematizar esses grupos sociais de mulheres, na medida em que consideramos o filtro masculino que perpassa as experiências femininas contidas nesse Tratado. O discurso de Capelão apresenta elementos importantes do cotidiano e da sociedade em que elas viviam, o que são fatores imprescindíveis a serem tratados em sala de aula. Com isso, podemos fazer um paralelo com a contemporaneidade utilizando o método da História Comparada. É necessário ter cuidados com os anacronismos. Dessa forma, levantar o debate sobre esses grupos sociais de mulheres em sala de aula, seria uma forma de realizar uma reflexão atual. Assim, para perceber os resquícios na atualidade é pertinente observarmos a moral religiosa existente na obra, já que André Capelão era um clérigo e prezava pelo pudor feminino. Ressaltando que os valores femininos são diferentes, mas a misoginia e a preocupação com o corpo feminino é um tema presente e que pode ser abordado.
Excluir-Juliana Caroline de Souza Araújo
Olá Evelin Souza, obrigado pela pergunta.
ExcluirAcredito que sim, que seja uma obra que possa ser problematizada em sala de aula, utilizada não em sua totalidade, pois é complexa, mas, por exemplo, no sentido de demonstrar a diversidade de grupos sociais femininos, o que em termos de formação de professores também seria interessante.
Sobre a questão da comparação, acredito que ai se poderia ir para o verdadeiro objetivo de Capelão, que é o amor cortês, buscando "resquícios" do mesmo na contemporaneidade. Quando você analisa o Tratado do Amor Cortês encontra diversos comportamentos humanos, ou propostas de comportamentos humanos, os quais podem, ou não, ser encontrados até os dias de hoje. Caberia, obviamente, fazer uma análise mais profunda de quais comportamentos poderiam servir como um contraponto para o contexto atual, etc...
Luciano José Vianna
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ResponderExcluirOlá, Juliana
ResponderExcluirNo seguinte trecho do texto, argumenta-se que segundo André Capelão, "Existe uma diferenciação entre a cortesã e a prostituta no Tratado do Amor Cortês, uma vez que a primeira é encontrada nas cortes feudais, e a última em lupanares e nas ruas." Gostaria de saber se a apenas a localização geográfica era o fator determinante para saber se a mulher pertencia ao grupo das cortesãs ou prostitutas, ou esse é apenas um dos aspectos que diferencia ambas e existem outras diferenças que são menos acentuadas por Andre Capelão?
Att.
Mateus Carvalho Muniz de Souza
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ExcluirBoa tarde, Mateus. Embora o conteúdo presente no Tratado do Amor Cortês sobre as prostitutas e as cortesãs seja escasso, é possível elencar outra diferenciação além da localização. Quando André Capelão escreve sobre as prostitutas ele é mais detalhista, pois pretende alertar os homens nobres sobre a luxúria dessas mulheres que fingem amá-los para apropriar-se de suas riquezas. Tratando-se do fingimento delas, ele compreende que a devassidão das prostitutas é mais desprezível do que as das cortesãs, porque estas realizam um comércio público ou podemos interpretar como transparente. Capelão afirma que as cortesãs “fazem aquilo que delas se espera e não enganam ninguém, já que suas intenções estão perfeitamente claras.” (CAPELÃO, 2000, p. 199) Assim, essa diferenciação é muito específica do conteúdo presente no Tratado do Amor Cortês, baseada na perspectiva do autor. Obrigada por sua participação, espero que tenha conseguido sanar sua dúvida.
Excluir-Juliana Caroline de Souza Araújo
Olá Mateus, boa pergunta.
ExcluirCapelão também diferencia estas personagens a partir da sua proposta, ou seja, o trato com o amor. Veja que as duas são apresentadas de forma distinta pelo autor... Assim, além do aspecto de localização social, há também a questão comportamental, imprescindível para compreender a proposta de Capelão e se aproximar um pouco mais da multiplicidade social feminina no feudalismo.
Luciano José Vianna
Olá Juliana, boa tarde, texto excelente parabéns.
ResponderExcluirA respeito dessa memória dos grupos sociais femininos, feito por André Capelão, como foi descrito outros grupos sociais femininos, digo movimentos de associações de mulheres diante do contexto de mulheres nobres em muitas vezes. Teria alguma forma, a inclusão do Amor Cortês diante desses movimentos femininos uma representação nos diversos cenários e ambientes nessa temporalidade Medieval?
Att.
Renato Rodrigues do Nascimento
Olá Renato. Boa colocação, obrigada!
ExcluirComo o Tratado do Amor Cortês está voltado para o âmbito das cortes, a memória de André Capelão sobre as damas da pequena e da alta nobreza está presente de forma abundante. Isso nos faz perceber o papel delas na construção do seu discurso. As mulheres nobres possuíam três funções nas cortes da época: educadora, mediadora e sedutora, segundo Duby. Elas eram peças importantes para o andamento do jogo do amor cortês. É importante salientar que as mulheres nobres, agora não só me referindo ao Tratado, apoiaram o desenvolvimento da lírica amorosa, como por exemplo Leonor da Aquitânia, mãe de Maria Champagne, as quais são citadas na obra. Com o surgimento do amor cortês, as mulheres de alta linhagem passaram a ter mais visibilidade e também por outros motivos contextuais e particulares tiveram a oportunidade de ocupar espaços que os homens ocupavam. Foram poucos casos, mas existiram. Assim, acredito que em relação à movimentos femininos com a inclusão do amor cortês, interpreto como essa participação na construção da memória de Capelão. Espero que tenha conseguido te responder.
-Juliana Caroline de Souza Araújo
Olá Renato,
ExcluirA questão é que Capelão escreveu sua obra resgatando o amor cortês e vinculando-o ao contexto nobre. E ele mesmo afirma em sua obra que a prática do amor cortês é exclusiva deste contexto nobre.
Luciano José Vianna
Boa noite, excelente texto!
ResponderExcluirAo ler os fragmentos da fonte destacados pelos autores e levando em consideração o contexto em que Capelão viveu, percebe-se que este escreve diretamente para homens, fazendo uma descrição de mulheres de diferentes posições sociais. Na opinião dos autores, qual seria a melhor forma de abordar este assunto ("o filtro masculino") na sala de aula?
João Pedro Furlan dos Santos
Boa noite, João. Ótima colocação, obrigada!
ExcluirEu acredito que seria fundamental um debate. Seria importante destacar um fragmento do Tratado do Amor Cortês, o qual conteria uma exemplificação a respeito da misoginia existente no período e consequentemente no discurso de André Capelão. Dessa forma, observaremos a condição feminina e os comportamentos e as práticas que estão direcionadas para os grupos sociais femininos, esclarecendo que isso revela uma imagem e não a realidade em si, uma imagem construída por um homem, especificamente um de religião. Após uma problematização a partir da análise crítica do fragmento, podemos verificar elementos sociais e culturais pertinentes para o estudo e compreensão do contexto e das experiências femininas.
Juliana Caroline de Souza Araújo
Olá João,
ExcluirSeria necessária a problematização da obra, como a Juliana comentou. Além disso, devemos considerar que a intenção de Capelão era falar do amor cortês e do seu vínculo com o contexto nobre. Entretanto, ao excluir o amor cortês de outros seguimentos sociais femininos (prostitutas, cortesãs, religiosas, etc...), ele acaba incluindo-os em seu discurso e, assim, coloca-os em evidência. É neste momento que o professor deve resgatar tais falas para serem trabalhadas, por exemplo, no sentido da diversidade social feminina existente no período. Assim, o filtro masculino presente na obra não estaria relacionado apenas à questão da misoginia em si, mas também, dentro desta diferenciação social, a diversos grupos sociais femininos.
Luciano José Vianna
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