Carolina Giovannetti


HISTÓRIA DAS MULHERES E ENSINO DE HISTÓRIA EM CONTEXTO DE EMERGÊNCIA DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR



O ensino de história não tem se ocupado, prioritariamente, com a história das mulheres, o que revela uma epistemologia baseada na ordem patriarcal da sociedade. Para a historiadora Gerda Lerner, o patriarcado gerou a negação da história das mulheres e “a existência das mulheres foi ignorada e omitida pelo pensamento patriarcal – fato que afetou a psicologia de homens e mulheres de forma significativa” [LERNER, 2019, p. 31]. Ela também defende que “a falta de conhecimento das mulheres sobre a própria história de luta e conquistas é um dos principais meios de nos manter subordinadas” [LERNER, 2019, p. 277]. Assim, não conhecer histórias de vivências e de lutas das mulheres é uma forma de manter a dominação do patriarcado.

Segundo Lerner, “as mulheres foram impedidas de contribuir com o fazer história, ou seja, a ordenação e a interpretação do passado da humanidade” [2019, p. 29]. O fazer história é uma criação que remonta à invenção da escrita e, até bem pouco tempo atrás, as pessoas incumbidas de fazer o relato histórico eram homens e registravam o que os homens haviam realizado e considerado importante [LERNER, 2019]. “Chamaram isso de história e afirmaram ser ela universal. O que as mulheres fizeram e vivenciaram ficou sem registro, tendo sido negligenciado, bem como a interpretação delas, que foi ignorada” [LERNER, 2019, p. 29].

Os estudos históricos referentes às mulheres passaram por um longo processo marcado pela desmemorização e por silenciamentos [PERROT, 2005; 2017].  Os movimentos feministas e o campo de pesquisa da história das mulheres denunciaram a exclusão das mulheres do relato histórico, propondo uma perspectiva feminista que questiona a desigualdade entre homens e mulheres nos mais diversos âmbitos da sociedade, inclusive nas esferas curriculares educacionais. Da perspectiva feminista é importante considerar “o fato de que a epistemologia não é nunca neutra, mas reflete sempre a experiência de quem conhece” [SILVA, 2011, p. 94]. Não conhecer a história das mulheres nas escolas, através dos currículos, é manter a epistemologia masculina sobre a narrativa histórica, gerando visões desiguais da sociedade. “Essa repartição desigual estende-se, obviamente, à educação e ao currículo” [SILVA, 2011, p. 92]. Assim, a epistemologia feminista denuncia e questiona os valores passados pelos currículos. “É essa reviravolta epistemológica que torna a perspectiva feminista tão importante para a teoria curricular. Na medida em que reflete a epistemologia dominante, o currículo existente é também claramente masculino. Ele é a expressão da cosmovisão masculina” [SILVA, 2011, p. 94].

Silva afirma também, nesse sentido, que o “currículo não pode ser visto simplesmente como um espaço de transmissão de conhecimentos. O currículo está centralmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos, naquilo que nos tornaremos. O currículo produz, o currículo nos produz” [2001, p. 27]. Desta forma, o currículo constitui os sujeitos e também é constituído por eles, informando o tipo de sujeito e de sociedade que se pretende formar.

O currículo escolar, assim, é também “um espaço de lutas e disputas constantes, no qual os diferentes grupos sociais tentam imprimir suas verdades, divulgar seus conhecimentos e produzir determinados significados” [SILVA, 2011, p. 34]. Assim, as discussões sobre currículo vão além de uma seleção de conhecimentos, envolvem também, uma operação de poder. Para Michel Foucault [2007], as relações de poder se alastram por toda a estrutura social, nada está isento de poder, portanto, não é possível escapar dessas relações de poder microfísicas, mas é possível resistir a elas.

Dentro desse contexto teórico, estudar ou não determinados conteúdos históricos é uma ação proveniente de uma escolha interessada, que privilegia determinados conhecimentos e silencia outros. Assim, os programas curriculares podem ser espaços de silêncios de mulheres, de determinadas culturas, grupos minoritários, étnicos ou raciais, na medida em que são constituídos de relações de poder de diferentes formas. O currículo pode reverberar injustiças, discriminações e saberes etnocêntricos, produzindo significações para o mundo social e cultural.

Assim como os currículos, o discurso histórico também pode ser considerado com uma formação discursiva cultural, social e histórica, sendo a história um saber construído, moldado por interesses, por relações de força, com discursos que tornam históricos certos acontecimentos em detrimentos de outros. “O poder produz saber (...), não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder” [FOUCAULT, 2008, p.30]. Assim, cria-se um saber que é legítimo dentro de um discurso histórico. É neste contexto, por exemplo, que as mulheres estiveram às margens do discurso historiográfico tradicional. “A história será, então, pensada como um campo de relações de força, do qual o historiador tentará aprender o diagrama, percebendo como se constituem os jogos de poder” [RAGO, 1995, p. 77].

Debater e propor o desafio da teoria feminista tornar-se um novo paradigma de compreensão da realidade, da sociedade e da educação passa por uma reflexão sobre o paradigma tradicional da ciência positivista e empirista, tendo em vista que ele constitui a visão dominante no processo de construção do conhecimento na contemporaneidade. Assim, para Marlise Matos [2008], “os movimentos organizados de mulheres, e depois os movimentos feministas de todos os matizes, inauguraram no alvorecer do século XX grandes viradas, inclusive no escopo do próprio modo de se perceber o conhecimento” [p. 335].

Nesse contexto, o movimento feminista trouxe à tona a discussão sobre o processo de exclusão sofrido pelas mulheres e, em suas discussões, toma como ponto de partida a dominação masculina, peculiar ao patriarcado, que tem um importante papel no estabelecimento das relações desiguais entre os sexos. A crítica feminista ao conhecimento hegemônico “revela o caráter particular de categorias dominantes, que se apresentam como universais; propõe a crítica da racionalidade burguesa, ocidental, marxista incluso que não se pensa em sua dimensão sexualizada, enquanto criação masculina, logo excludente” [RAGO, 1998, p.4].

A ciência ocidental ligada a epistemologias tradicionais e patriarcais “opera no interior da lógica da identidade, valendo-se de categorias reflexivas, incapazes de pensar a diferença” [RAGO, 1998, p.4]. Dentro desta reflexão, pode-se afirmar que “as noções de objetividade e de neutralidade que garantiam a veracidade do conhecimento caem por terra, no mesmo movimento em que se denuncia o quanto os padrões de normatividade científica são impregnados por valores masculinos, raramente filóginos” [RAGO, 1998, p.5]. Assim, “a pretensa neutralidade projeta uma educação que é incapaz de intervir no mundo e, por isso, torna-se cúmplice das injustiças e violências que nele ocorrem [MIGUEL, 2016, p. 615]. Portanto, pode-se concluir que “a crítica feminista evidencia as relações de poder constitutivas da produção de saberes, como aponta, de outro lado, Michel Foucault” [RAGO, 1998, p.5].

Assim, as noções tão caras à ciência ocidental, como neutralidade e objetividade, são repletas de valores masculinos [RAGO, 1998]. “O que a análise feminista vai questionar é precisamente essa aparente neutralidade – em termos de gênero – do mundo social. A sociedade está feita de acordo com as características do gênero dominante, isto é, o masculino” [SILVA, 2011, p. 93].

Dentro dessa interpretação, pode-se afirmar que na contemporaneidade surgem novas epistemologias, baseadas por outros ideais de produção do conhecimento e são pautadas por uma inserção distinta do conhecimento, em um processo de experiência composto por indivíduos em interação, alterando suas considerações e sem um método pronto e acabado. Assim, a epistemologia feminista tem como uma de suas características considerar como questões relativas às relações de gênero influenciam e direcionam as concepções de conhecimento, as pesquisas acadêmicas, as produções científicas e os currículos escolares.

Para as análises curriculares, a epistemologia feminista aqui esboçada torna-se essencial, por nos alertar para o caráter excepcional das mulheres na história e seu estado de exclusão, além de propor novos olhares para os currículos escolares oficiais, que perpassem relações de gênero e a necessidade de inserção das experiências das mulheres. Assim, “não se trata mais simplesmente de ganhar acesso às instituições e formas de conhecimento do patriarcado mas de transformá-las radicalmente para refletir os interesses e as experiências das mulheres” [SILVA, 2011, p. 93].

A articulação entre história das mulheres, currículo e relações de poder, possibilita o questionamento de epistemologias androcêntricas e o desvelamento de estruturas sociais desiguais entre homens e mulheres, que surgem através das relações de poder. Os desequilíbrios de gênero se refletem nas leis, políticas, práticas sociais e nos currículos. “O currículo é, entre outras coisas, um artefato de gênero: um artefato que, ao mesmo tempo, corporifica e produz relações de gênero” [SILVA, 2011, p. 97]. Assim, as desigualdades de gênero tendem a aprofundar outras desigualdades sociais e discriminações de classe, raça, casta, idade, orientação sexual, etnia, deficiência, língua ou religião, dentre outras, o que pode ser legitimado através de currículos que se propõem a ser universais, mas desconsideram as histórias das mulheres. Dentro deste contexto, tomar o feminismo como base epistêmica é propor questionamentos à ordem androcêntrica estabelecida e pensar novos paradigmas de estudo e de cientificidade, pautados pela luta das mulheres e pautas feministas.

A pretensão de uma história universal e aspiração de neutralidade expõem o lado dos favorecidos pelos jogos de poder. A história positivista, dita como neutra e totalizante, revela-se como uma porta voz das pessoas favorecidas, pois não pressupõe os saberes que consideram as mulheres e os ditos excluídos da história [PERROT, 2017]. Podemos também considerar os currículos nesta análise, porque ao se propor um pretenso currículo único para todo o território nacional, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) corrobora-se com os saberes dominantes, as forças proeminentes e predominantes dos saberes escolares [BRASIL, 2018]. Os currículos oficiais, propostos pelo Estado, falam em nome de um padrão de sociedade específico e as disputas em torno do currículo são questões em torno de visões de sociedade. A BNCC tem pretensões universalistas, prescrevendo conhecimentos que são posicionados como universais. Assim, não é possível entender currículo se não entendê-lo como política.

A BNCC, homologada em contexto de avanço da extrema direita no Brasil, não traz nenhuma discussão sobre o campo das histórias das mulheres e negligencia as questões de gênero. Juntamente com a Reforma do Ensino Médio, esse currículo limita as chances da juventude brasileira de ter acesso a conhecimentos escolares que subsidiem a luta pela construção de um mundo mais justo. Essa omissão epistemológica já vinha desde o Plano Nacional de Educação (PNE), documento educacional em que as menções às questões de gênero foram interditadas. Isso “fez com que os grupos reacionários se sentissem empoderados e vários Projetos de Lei fossem elaborados e discutidos no Senado e na Câmara dos Deputados” [PARAÍSO, 2018, p. 30].

Parece, assim, que essa discursividade antifeminista, aliada a outros elementos sociais no Brasil, atuaram para que as discussões de gênero fossem negligenciadas na BNCC, tendo como consequência a limitação do campo teórico das histórias das mulheres nos currículos. Assim, mudanças curriculares são propostas por grupos reacionários no Brasil, em que uma visão específica de mundo, de família e de sociedade é defendida. A pensadora Bell hooks avalia que:

“A nova direita e os neoconservadores costumam explicar essas mudanças como uma tentativa de impor ordem ao caos, de voltar a um passado (idealizado). Na noção de família criada nessas discussões, os papeis sexistas são proclamados como tradições estabilizadoras” [HOOKS, 2017, p. 43]

Na Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCCEM), homologada em 2018, não há nenhuma referência direta às discussões promovidas pelo campo das histórias das mulheres: a temática foi totalmente interditada. Isso desloca o debate do currículo para coisas nomeadas como “neutras”, “importantes”, “não ideológicas”, “generalistas”, “conhecimentos universais” e não se debatem as políticas públicas de currículo no campo da história das mulheres. Assim, esse tipo de conhecimento generalista representa e configura-se como um discurso que demanda uma neutralidade educacional, a qual é impossível como já afirmava Paulo Freire [1996, p. 110]: “agir como se a educação fosse isenta de influência política é uma forma eficiente de colocá-la a serviço dos interesses dominantes”. Freire ainda adverte que:

“A neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso. Este medo quase sempre resulta de um ‘compromisso’ contra os homens, contra sua humanização, por parte dos que se dizem neutros. Estão comprometidos consigo mesmos, com seus interesses ou com os interesses dos grupos aos quais pertencem. E como este não é um compromisso verdadeiro, assumem a neutralidade impossível” [FREIRE, 2018, p. 23].

Desta forma, nas disputas curriculares, os grupos reacionários também operam tentando silenciar as histórias das mulheres nos currículos do Ensino Médio, tendo como possíveis efeitos de manutenção de desigualdades de gênero e de visões escolares reducionistas. Esse tipo de história que reitera os silêncios impostos às mulheres é aqui questionado, problematizado, propondo-se uma história que considere as mulheres em suas análises e que transgrida os silêncios.

Assim, o currículo tem potencial de tencionar as desigualdades e, por isso, é importante ter as mulheres representadas nas escolas através das propostas curriculares que rompam com o paradigma da história única. Assim, corroboro com a escritora Chimamanda Adichie:

“As histórias importam. Muitas histórias importam. As histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para empoderar e humanizar. Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade” [ADICHIE, 2019, p. 32].

Reconhecer as histórias das mulheres passa, assim, por uma mudança de paradigma, por uma luta por uma epistemologia feminista, que reverbera no ensino de história e nas decisões curriculares.

Referências
Carolina Giovannetti é historiadora e professora de história da rede pública de Minas Gerais; mestranda em Educação – FaE/UFMG, na linha de pesquisa Currículos, Culturas e Diferenças

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018b. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso em 07 de abril de 2020.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2008.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Paz & Terra, RJ/SP, 2018, 38ª ed.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HOOKS, bell. Ensinando a Transgredir: A educação como prática de liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2017.
LERNER, Gerda. A criação do Patriarcado: história da opressão das mulheres pelos homens. São Paulo: Cultrix, 2019.
MATOS, Marlise. Teorias de gênero ou teorias e gênero? Se e como os estudos de gênero e feministas se transformaram em um campo novo para as ciências. Revista Estudos Feministas, vol. 16, núm. 2, maio-agosto, 2008, pp. 333-357. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000200003&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em 14 de março de 2020.
MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à "ideologia de gênero" - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, [S.l.], v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016. ISSN 2179-8966. Disponível em:
<https://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/25163>.
Acesso em: 24 de março 2020.
PARAÍSO, Marlucy Alves. Fazer do caos uma estrela dançarina no currículo: invenção política com gênero e sexualidade em tempos do slogan “ideologia de gênero”, p. 23- 52. In: PARAÍSO, Marlucy Alves e CALDEIRA, Maria Carolina da Silva (orgs.). Pesquisas sobre currículos, gêneros e sexualidades.  Belo Horizone: Mazza Edições, 2018.
PERROT, Michele. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2005.
PERROT, Michelle. Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: Uma introdução às teorias do currículo. 3ª edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
SILVA. Tomaz Tadeu. O currículo como fetiche. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

19 comentários:

  1. Parabenizo pelo texto,Carolina.
    Compreendo a emergência da articulação da história das mulheres dentro do currículo. Gostaria de saber a partir da BNCC quais medidas efetivamente colaborariam para minimizar as desigualdades no contexto escolar?

    Vanessa Cristina da Silva Sampaio

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    1. Vanessa,
      Obrigada pela pergunta.
      Dentro da BNCC do Ensino médio não se aborda as histórias das mulheres. A história foi agrupada nas Ciências Humanas com a Reforma do Ensino Médio e respaldada essa alteração pela Base.

      Assim, a BNCC privilegia o desenvolvimento de habilidades e competências, atrelado a um ensino pragmático e tecnicista


      Carolina Giovannetti

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  2. Obrigada pela pergunta, Vanessa.
    A BNCC definitivamente não se ocupa das histórias das mulheres. A questão de propor agrupamentos de conteúdos (Ciências Humanas) é uma das razões. Além disso, por estar envolta em uma ideia de currículo únicos e propor temáticas consideradas universais, conteúdos considerados contrahegemônicos ficam esquecidos.


    Dentro do contexto escolar, creio que seja:
    1. Propor currículos diversificados, de acordo com as especificidades de cada comunidade escolar.
    2. O currículo tem que levar em conta as subjetividades docentes e discentes.


    Além dessas duas ponderações, é preciso salientar que as histórias das mulheres sempre foram alijadas pelos cânones oficiais e que deve haver um esforço historiográfico, acadêmico e epistemológico para buscar incluir as mulheres e seus relatos históricos.

    Carolina Giovannetti

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  3. Que texto necessário! Parabéns pela sensibilidade e cuidadosa articulação histórica entre o patriarcado e a educação. Importante demais olhar para os currículos a partir de uma epistemologia feminista que não teme dizer seu nome. No entanto, pergunto a você como deslocar uma história operada ainda no sujeito masculino universal, em espaços tão amplos que vão desde o currículo da educação básica quanto a formação inicial e continuada dos professores e professoras de História? Pergunto porque recorrentemente percebo os colegas da área muito resistentes na questão história das mulheres e ensino, como se esse "problema" fosse apenas nosso. E então enfrentamos uma dupla luta: contra os conservadores que demonizam o "gênero" e os historiadores pouco afeitos a repensar seus sexismos epistemológicos.
    Jeane Carla Oliveira de Melo.

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    1. Oi Jeane.
      Fico feliz com seus questionamentos e reflexões


      A primeira coisa que creio que seja muito importante para as pessoas que se propõem a estudar a história das mulheres é entender que o alijamento delas da história é uma opção política e cultural. A história das mulheres e o movimento feminista desvelam a naturalidade de uma história supostamente neutra e objetiva. Não há. Nunca houve.

      Partindo dessa ideia de que a busca por uma história que abarque e perceba as mulheres é uma questão política, uma ação afirmativa, creio ser necessário amplos debates, que vão desde o âmbito escolar, até a organização de seminários, grupos de pesquisa, entre outros.

      É uma luta, realmente enfrentar o problema do espistemicídio feminino, mas ela está sendo travada em várias frentes.

      Carolina Giovannetti

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  4. Parabéns pelo texto Carolina!
    Concordo contigo de que nós mulheres fomos novamente silenciadas pela "nova" BNCC. Quando eu estava estudando esse documento me causou esse mesmo incomodo. Em meio a essas discussões, uma questão que me tem feito pensar bastante, é se já não é o momento de mudar a organização curricular do ensino de História na Educação Básica, dividida de maneira cronológica e ainda muito ligada ao movimento positivista, para que as mulheres possam ser contempladas por narrativas históricas escolares? Eu acredito que esse modelo atrapalha muito e contribui para permanecer uma visão masculinista de História. O que você acha disso?
    Ass: Vitória Diniz de Souza

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    1. Obrigada pela pergunta Vitória.

      Bom, penso que no que tange aos currículos, o ideal seria que cada escola tivesse total autonomia para fazer suas propostas e organizar seus currículos.

      Mas no que tange ao currículo oficial, as instâncias governamentais deveriam fazer propostas que ouvissem os principais interessados: alunos e alunas, professores e professoras, e comunidade escolar.


      Carolina Giovannetti

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  5. Ótimo texto para inquietar sobre a inclusão das mulheres e suas histórias nos currículos. Quais as relações que poderíamos estabelecer entre ausência das mulheres na BNCC com a formação inicial e continuada de professores? Qual importância teriam as universidades na elaboração da BNCC caso, em suas fileiras, também fosse despendido mais espaço e tempo para falar sobre as mulheres e sua importância na construção do currículo?
    Ass. Lucimar Avelino da Silva

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    1. Olá Lucimar.
      Obrigada pela pergunta.

      Primeiramente, acredito que a BNCC representa as ideias de um grupo, ligado aos aspectos mercadológicos e com um ensino tecnicista. Ela é um currículo oficial.

      Em segundo lugar, as universidades, como centro de saberes, de debates e de construção de novas epistemologias teriam muita importância na discussão da importância da história das mulheres.

      Carolina Giovannetti

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  6. Olá!Parabèns pelo trabalho. De que formas a nova BNCC contribuí para romper com o apagamento e o silenciamento da história das mulheres no próprio material didático? Como você precebe isso nas aulas de História? Obrigada!

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    1. Obrigada pela pergunta Carlize.

      Ela não contribui. Esse é o ponto crucial. Há um total silenciamento das mulheres e das relações de gênero na BNCC. A BNCC é um currículo oficial, prescrito pelo poder público.


      As aulas de história estão inseridas no currículo vivido. Então, nas salas de aula há sim muitas possibilidades de se trabalhar história das mulheres, com o suporte de filmes, livros literários, história oral, entre outras possibilidades.


      Carolina Giovannetti

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  7. Prezada Carolina, gostaria de parabenizá-la pelo texto ainda mais em tempos nos quais a voz da mulher está tentando ser calada. Sou professora e já presenciei casos na prática dos quais preferiram um professor do sexo masculino do que professoras do sexo feminino. Concordo que a BNCC tem como objetivo exatamente engessar o currículo e busca evitar contestações, especialmente de mulheres, negros e LGBTI+. Meu questionamento é simples. Como o docente pode trabalhar com o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano, um momento crucial no qual eles descobrem o mundo e começam a se moldar para a sociedade) as questões de gênero e feminismo dentro da História, visto que os livros didáticos quase nunca trazem esse assunto?

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    1. Obrigada pela pergunta Jessika

      A BNCC é uma prescrição curricular, proposta pelo governo federal e inserida dentro da reforma do ensino médio. Eu pesquiso ensino médio.

      Nas salas de aulas os professores e professoras têm mais autonomia para abordar as discussões promovidas pelo campo de estudos das Histórias das mulheres, promovendo debates com os alunos e alunas, incentivando-os a resgatar a memória das histórias das mulheres da sua família, através de história oral, por exemplo.


      Carolina Giovannetti

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  8. Olá Carolina, boa tarde.

    Parabéns pelo texto! Tenho trabalhado com o tema história das mulheres no Medievo desde 2014 e mais recentemente a partir do contexto da Educação Básica através da formação de professores.

    Achei interessante quando afirma no seu texto que "Não conhecer a história das mulheres nas escolas, através dos currículos, é manter a epistemologia masculina sobre a narrativa histórica, gerando visões desiguais da sociedade", assim como quando diz "A articulação entre história das mulheres, currículo e relações de poder, possibilita o questionamento de epistemologias androcêntricas e o desvelamento de estruturas sociais desiguais entre homens e mulheres, que surgem através das relações de poder. Os desequilíbrios de gênero se refletem nas leis, políticas, práticas sociais e nos currículos." Há, claramente, uma questão chave voltada para o currículo, e mais especificamente para a BNCC em relação ao destaque dado ao contexto feminino. No meu caso, como trabalho com o período medieval, a BNCC apresenta um item no sexto ano voltado este tema (o papel da mulher no período medieval). A partir deste aspecto, tenho trabalhado constantemente com meus alunos em sala de aula, em orientações de monografia e iniciação científica, e pretendo em breve iniciar esta discussão também no mestrado profissional em educação ao qual estou vinculado.

    Neste sentido, minha pergunta é: na sua opinião, como o tema história das mulheres pode ser trabalhado na sala de aula na Educação Básica?

    Parabéns novamente.

    Luciano José Vianna

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    1. Oi Luciano
      Obrigada pela sua pergunta.
      Que bom que compartilhou sua pesquisa e inquietações.


      Bom, creio que dentro das salas de aulas, os professores e as professoras têm autonomia pedagógica para abordar a temática com os discentes, desconstruindo a história baseada na epistemologia masculina. Por exemplo, uma coisa que tenho feito em minhas aulas é desenvolver projetos educacionais com meus alunos e alunas, incentivando-os a buscar a história das mulheres das famílias deles/delas. Tem sido muito proveitoso


      Carolina Giovannetti

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  9. Oi Carolina Giovannetti, parabéns pelo seu texto e contribuição ao debate sobre gênero. Estou me dedicando ao estudo de gênero com enfoque na presença das mulheres nas ciências e tecnologias, principalmente no âmbito do ensino superior. E levantando os números sobre as mulheres professoras em cursos das áreas das Humanas, das Ciências Sociais Aplicadas e da Letras e Artes, me surpreendi com a desigualdade existente. E como a desigualdade está tão naturalizada que a gente só pára para refletir quando chamados a atenção. O curso de História em que sou professora há 28 anos, tem variado entre 30% e 35% de mulheres nos últimos 20 anos de sua existência. A cultura patriarcal é de tal modo forte, dominante e normatizada, que cria obstáculos à discussão e reflexão pela coletivo docente sobre as práticas de opressão. Em geral não entendidas dessa maneira pelos professores homens. Realmente é preciso que mais pessoas abracem a causa da defesa da discussão da questão de gênero. Não haverá maiores avanços sociais e econômicos se não se enfrentar o desafio de promover as condições de igualdade e oportunidades de direito, de participação política, de condição de bem-estar social e econômico com enfoque nas mulheres.
    Assina: Rosilene Dias Montenegro

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    1. Rosilene, obrigada pelo compartilhamento de ideias e práticas pedagógicas.

      Concordo plenamente com seus questionamentos e faça também esses debates no meu ambiente profissional e acadêmico

      Carolina Giovannetti

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  10. Olá, Carolina
    Textos como o seu são fundamentais para a discussão de gênero na educação.
    Por esse motivo gostaria de saber que forma metodológica o professor pode discutir gênero no ensino básico, principalmente quando os currículos e os livros didáticos não apresentam diferentes vivências como das mulheres do oriente, negras e indígenas.

    Att,
    Nathalia Cristina Alencar Souza

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    1. Nathália, obrigada pela pergunta.

      O cerne da questão, ao meu ver, é a proposição de novas epistemologias que quebrem ou questionem o memoricídio que as mulheres, os povos originários da América, negros, entre outros grupos minoritários politicamente sofrem. é uma tarefa árdua, mas necessária. Questionarmos sempre nossas escolhas, ações e debates.


      Carolina Giovannetti

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