JERÔNIMO DE ESTRIDÃO E AS REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NAS MISSIVAS 22 E 24 ÀS MULHERES NOBRES DE ROMA NA ANTIGUIDADE TARDIA
Jerônimo
– Eusebius Hieronymus, em latim –, provavelmente, nasceu na década dos anos 340
E.C., na pequena cidade de Estridão, limite entre as províncias romanas de
Dalmácia e Panônia, região hoje da atual Eslovênia, sendo essa cidade destruída
pelos godos em torno do ano 376 E.C. Paralelo a isso, o monge Jerônimo viveu
inserido em um contexto de transformações sociais, religiosas e políticas, em
torno do Cristianismo e Império Romano, no decorrer do século IV e início do V
E.C.
Esse
Padre da Igreja se distinguiu dos demais Pais do Ocidente pela experiência
prática monástica que teve no Oriente e, devido ao seu contato, pelo domínio de
línguas não latinas, como o grego, um pouco de copta e do hebraico, e pelo
profundo estudo dos textos bíblicos. Com isso, Jerônimo foi um pertinaz
defensor da renúncia sexual cristã e teve acesso direto a uma gama de obras
nessas outras línguas, relevantes para os Cristianismos na Antiguidade Tardia.
A atuação
religiosa do monge Jerônimo de Estridão foi marcada pela presença da figura
feminina, uma vez que muitos de seus trabalhos foram elaborados e idealizados
em meio ao grupo de mulheres aristocratas que o cercavam.
Acreditamos
na proximidade de Jerônimo com as mulheres da elite romana e, também,
observamos a dependência material que existia desse monge em relação às cristãs
matronas abastadas.
O
monge Jerônimo teve muito interesse em selecionar os mais convenientes
companheiros e companheiras. Assim, observamos que Jerônimo construiu um
círculo de profunda amizade com as matronas romanas e seus descendentes. Ainda,
entendemos que a cidade foi o lugar onde o monge de Estridão teve grande
atuação sociocultural, mesmo tendo preferência pela vida retirada do século.
Em
especial, essas estreitas relações de Jerônimo com feminino foram construídas
em Roma, entre os anos de 382 e 385, quando esteve como auxiliar do bispo
Dâmaso, como relatamos anteriormente. Desse modo, enxergamos o vasto
epistolário e diálogo com tais mulheres de Roma, pois no interior dessas
correspondências temos esse contato íntimo com o feminino. Por conseguinte, a
partir desse instante, algumas missivas do monge de Estridão dirigidas para as
mulheres aristocráticas de Roma serão nossas fontes de análise e aplicação de
nossa problemática.
Em
contrapartida, não podemos deixar de assinalar que grande parte das cartas do
monge Jerônimo para as mulheres tinha a mesma finalidade, isto é, de
convencê-las a guiar as suas vidas por meio de um rigoroso caminho ascético. A
ideia de ascese em Jerônimo fora marcada pela desvalorização do corpo, ao
considerá-lo como prisão da alma e fonte de impureza, e, consequentemente,
devia-se ter uma total repulsa das coisas classificadas como temporais [Marcos Sánchez,
1986: 315-316].
Jerônimo,
em grande parte de seu corpo epistolar, descreveu a respeito das figuras
femininas que foram de suma importância para sua vida. Não podemos nos esquecer
de que as missivas do monge de Estridão nos revelam sua complexa e polêmica
personalidade. O calor de suas afeições, suas críticas e ofensas, reprovações e
indignações, seu desejo passional de ser amado e reconhecido [Giannarelli,
1980: 11; Kelly, 1975: 51; Mattioli, 1990: 239].
Destarte,
por sua formação e histórico, ele era um especialista na arte de escrever.
Agora, em suas missivas, numa dimensão mais íntima, projeta seu pensamento em
torno das representações do comportamento feminino e de gênero, ou seja,
daquelas que eram tidas pertencentes da melhor linhagem social do Mundo Romano
Tardo Antigo.
*
A
primeira carta que analisaremos será a de número 22 – Ad Eustochium de
virginitate servanda –, escrita aproximadamente no ano 384. O monge Jerônimo se
dirigiu à Eustóquia e essa produção foi considerada um tratado em relação à
virgindade. Essa missiva ganhou muita fama nos meios cristãos e tal foi
considerada uma distinta composição patrística acerca da virgindade cristã.
Era
muito comum na Antiguidade Tardia, no Império Romano adepto e simpatizante das
experiências cristãs, a elaboração de tratados a respeito da tônica da
virgindade, exclusivamente endereçados ao gênero feminino.
Nessa
carta, Jerônimo tratou Eustóquia com muita afeição e com vocábulos de grande
estima, realizou uma série de recomendações e um jogo de citações bíblicas dos
livros do Antigo e Novo Testamento, como uma manifestação de sua autoridade
perante a temática da pureza corporal humana.
Jerônimo
fez uma admoestação para as virgens, deste modo: “[...] E faltaram as virgens
boas (Amós 8, 13). Porque temos virgens más. Todo aquele que olhar, disse o
Senhor, para uma mulher com desejo libidinoso, já cometeu adultério em teu
coração (Mateus 5, 28). Perde-se, pois, também a virgindade por pensamento.
Estas são as virgens más, virgens na carne, mas não no espírito; por não ter
azeite, são virgens errantes excluídas do tálamo do seu esposo” [Carta 22,
5].
O
Estridonense representou o feminino como um indivíduo que deveria ter uma
conduta dentro da castidade do corpo e do pensamento, pois para ele a mulher
virgem ideal era aquela que precisaria ter dignidade em sua uma mente e se
resguardaria da conduta impura e libidinosa.
Além
de tudo, a mulher teria de evitar o excesso de vinho e, consequentemente, a
embriaguez. Jerônimo nos relata tal petição nestes termos: “[...] o que peço e
suplico é que a esposa de Cristo fuja do vinho como esse fosse um veneno, pois
essas são as primeiras armas dos demônios contra a mocidade [...]” [Carta 22,
8, grifo nosso].
Aqui,
o monge Jerônimo classifica a mulher virgem consagrada como esposa de Cristo
(sponsa Christi) – unida em um matrimônio simbólico com a divindade cristã,
representada em Jesus de Nazaré – e que ela não seja inclinada à bebedeira que,
por sua vez, para o Estridonense, seria a base do vício da luxúria e
intemperança.
Outro
conselho de Jerônimo para um tipo exemplar de virgem: “[...] leia com muita
frequência e aprende tudo o possível [...]. Que seu jejum seja diário e tua
refeição sem fartura [...]” {Carta 22, 17]. Quanto a isso, as mocinhas, para
Jerônimo, além da prática ascética do jejum, tinham que ser dedicadas aos
estudos dos textos sagrados dos cristãos e de outras línguas – por exemplo, o
grego e o hebraico.
Além
disso, descreveu-nos sobre a conduta da virgem consagrada, desta maneira:
“[...] Quando der esmolas, somente Deus a veja. Quando jejuar, tenha um rosto
alegre. Que teu vestido não seja demasiado indiscreto e nem sujo. Não chames
atenção por nada, para que não te pare diante da multidão que passa e te aponte
o dedo [...]” [Carta 22, 27]. E por fim, a virgem tinha de ser desapegada dos
bens materiais humanos e da falta de generosidade. Relata-nos o monge de
Estridão que a virgem: “também teria que evitar o mal da avareza [...]” [Carta
22, 31].
A
princípio, essa questão da avareza entre as mulheres aristocráticas aparenta
algo contraditório, porque mesmo elas sendo integrantes de famílias abastadas
da sociedade romana, precisariam ter condutas afastadas das ostentações
materiais e seculares, ou seja, para Jerônimo, as matronas consagradas tinham
de praticar intensas renúncias ante a realidade socioeconômica na qual estavam
inseridas.
Por
outro lado, também havia a existência, nesse contexto, de um intitulado
ascetismo mundano. Uma vez que algumas mulheres optavam pelas práticas
ascéticas, mas não rompiam com os antigos hábitos de ostentação e de suntuosos
comportamentos existentes na sociedade de Roma [Serrato Garrido, 1993: 39].
Afinal,
o monge Jerônimo foi um pertinaz opositor, crítico e repreensor de
comportamentos que considerava inadequados para as mulheres ricas e que eram
adeptas da experiência monástica e da ascese cristã. Em outras palavras, o
Estridonense era contrário ao tipo de conduta cristã que ele considerava
inapropriada para seu ponto de vista religioso.
*
Examinemos
a carta 24, dirigida novamente à Marcela, sobre a vida de sua irmã Asela,
escrita no outono do ano 384, dois dias após compor a carta 23. Assim, Asela
que fazia parte do ao renomado romano gens Caeonii e parte de sua família
aderiu às experiências cristãs no decorrer do quarto século E.C.
Acreditamos
que Jerônimo produziu essa missiva para mostrar mais uma vez o exemplo de uma
virgem para as demais mulheres cristãs. Isto é, essa carta se adequa como uma
representação do gênero feminino em seu tempo, contudo, particularmente,
acreditamos que eram somente as mulheres pertencentes aos grupos mais poderosos
do Império Romano na Antiguidade Tardia.
Essa
nossa assertiva se justifica com as próprias palavras de Jerônimo, pois, ao
fazer uso de argumentos retóricos, empenhava-se na persuasão de mulheres na
adesão do modo de vida que, para ele, era considerado excelso. Assim ele
escreveu: “[...], pois quando advertimos os maus estamos corrigindo os demais e
ao louvar os melhores despertamos o fervor dos bons para a prática das virtudes
[...] Contar-se-á brevemente a vida de nossa querida Asela [...]. Essa carta
deve ser lida por moças jovens, a fim de que se formem conforme seus exemplos e
tenham na vida dela exemplo de vida perfeita” [Carta 24, 1].
Nessa
argumentação de Jerônimo, entendemos quão laudáveis eram as pessoas que se
dedicavam ao ascetismo, em particular, as mulheres, como uma forma de
exteriorização da sua crença religiosa. Essas pessoas, classificadas com
virtudes, eram para ele revestidas de elementos simbólicos e transcendentes,
uma vez que seriam modelos para aqueles considerados bons e um incômodo para
aqueles considerados maus.
Esse
discurso era dirigido exclusivamente para o gênero feminino e constatamos que o
monge Jerônimo, em nenhum momento desse escrito se dirige a homens (pelo menos
de forma direta e estrita), pois essa missiva deveria ser lida por mulheres que
se encontravam na mocidade – adulescentulae (adulescens): uma donzela ou menina
bastante jovem.
Jerônimo
de Estridão nos relatou que Asela era recoberta de virtudes. Nestes termos nos
mostra que: “Pois, como havia começado a dizer, sempre [Asela] se portou com
tal modéstia e manteve-se tão oculta em secreto em seu aposento, que jamais se
apresentou em público e nem sabia o que era falar com um homem e, o que é mais
admirável, amava mais quando via uma irmã virgem. Trabalhava com suas mãos,
sabendo que está escrito: quem não deseja trabalhar também não há de comer (2
Tessalonicenses 3,10). Falava com seu Esposo rezando ou cantando salmos,
visitava apressadamente as memórias dos mártires sem ser vista, e, não
obstante, a alegria que dava a sua profissão de fé, no que, sobretudo, se
gozava era em que ninguém a conhecera. Todo ano praticava contínuo jejum,
permanecendo assim dois ou três dias seguidos; [...]. E com esse regime – coisa
que pode parecer ao homem impossível, mas para Deus isso pode ser feito
perfeitamente – chegou à idade de cinquenta anos sem saber o que era uma dor de
estômago [...]” [Carta 24, 4].
Notamos,
nessa exposição, que monge Jerônimo representou Asela com os seguintes valores:
renúncia aos bens terrenos, modéstia, discrição, vivência de uma vida privada,
trabalho manual, vida de oração e leituras das escrituras, testemunho de fé e
prática de árduos jejuns no decorrer de sua vida. Em outros termos, percebemos
que essa virgem cristã consagrada portava, pelo menos, três predicados
tradicionais romanos: domiseda, lanifica et lentica e acupingere.
Além
disso, defensor pertinaz do ascetismo e monasticismo, Jerônimo, sendo guia
espiritual de inúmeras mulheres cristãs, acreditava que severos jejuns poderiam
controlar os desejos do corpo humano e ajudariam as religiosas a terem foco no
ente divino [Salisbury, 2002: 32].
Inclusive,
as qualidades observadas por Jerônimo, a respeito da austeridade da virgem Asela,
mostra-nos na carta: “[...] Nós podemos descrever que vimos. Nada mais alegre
que sua severidade; nada mais severo que sua alegria. Nada mais triste que seu
sorriso; nada mais risonho que sua tristeza. Seu rosto está de forma pálida,
que, sendo indício de sua mortificação, não tem cheiro de ostentação. Seu falar
é silencioso e seu silêncio é eloquente. Seu andar, nem precipitado nem
demorado; seu porte, sempre o mesmo [...]. Somente ela tem merecido que em uma
cidade de pompa, lascívia e prazeres, em que ser humilde é humilhação do ânimo;
os bons a louvem, os maus não se atrevam a murmura dela, as viúvas e as virgens
a imitem, as casadas a reverenciem, as más a temam e até os sacerdotes a
admirem” [Carta 24, 5].
Nesse
escrito do Estridonense, há uma representação da virgem como um arquétipo a ser
imitado e, portanto, teria de ser enaltecido por bondosos e maldosos, viúvas e
casadas e até sacerdotes. Esse Padre da Igreja caracterizou essa dama romana
como uma pessoa honrada e virtuosa, pois Asela era, para ele, portadora de
atributos ascéticos e valores associados a muitos tipos de renúncias, inclusive
corpóreas. Então, o exemplo dessa virgem romana seria um objeto simbólico para
que o monge Jerônimo persuadisse as aristocráticas do presente e do futuro a aderirem
a um testemunho cristão numa continência perfeita.
De
uma maneira geral, Jerônimo de Estridão recomendava para as jovens destinadas à
virgindade, muita austeridade e modéstia, desde seus primeiros anos de vida.
Ele representou tais senhoritas, sem dúvida pertencentes às altas classes
sociais de Roma, com uma vida longe de luxos materiais, dedicadas aos estudos e
com uma conduta voltada ao recolhimento.
Por
ser um especialista em textos bíblicos e retórica, há, ao nosso entendimento,
uma alusão indireta ao texto atribuído a Paulo quando o Estridonense escreveu
nessa carta assim: Sermosilens et silentiumloquens (Seu falar é silencioso e
seu silêncio é eloquente). Porquanto, essa parte nos porta ao trecho que diz:
“[...] Como acontece em todas as Igrejas dos santos, estejam caladas as
mulheres nas assembleias, pois não é permitido tomar a palavra [...]” [1
Coríntios 14, 34-35]. Em vista disso, típico da cosmovisão patriarcal, o monge
Jerônimo igualmente planteava e esperava do gênero feminino expressiva
quietação, serenidade e bastante modéstia.
Por
último, concordamos com Michelle Perrot [2003: 21] que atestou que, no campo
das representações religiosas, os monoteísmos do Ocidente adotaram uma visão
bem negativa a respeito da figura feminina. A mulher foi vista como causadora
do mal existente no mundo – figura de Eva –, como aquela que deve ficar em
silêncio – relatos de Paulo. Ou seja, as mulheres foram associadas ao pecado do
qual os homens deveriam se defender e, com isso, submetendo-as ao silêncio.
*
Jerônimo tinha uma espécie afeição por
questões que envolviam o ascetismo feminino e uma dependência da ajuda das
mulheres ascéticas. Em outros termos, o monge de Estridão tinha uma espécie de
fascinação e obsessão pelo gênero feminino pertencente aos grupos abastados de
Roma e, de maneira igual, nitidamente, percebemos uma profunda dependência
afetiva e material do feminino por parte desse Padre da Igreja.
Assim, grande parte do epistolário de
Jerônimo direcionado para o polo feminino tem em seu componente final um modelo
prático de recomendações de como elas deveriam conduzir suas vidas como cristãs
consagradas. Para o monge de Estridão, tais mulheres tinham de ser diferentes
das cristãs comuns e das politeístas, que eram inclinadas à vida mundana ou secular
[Marcos Sánchez, 1990: 145].
Acredita-se que Jerônimo de Estridão escreveu
missivas que não eram simplesmente lidas por seus destinatários, mas esses
textos eram copiados e tinham uma ampla circulação no Mundo Romano Tardo Antigo
[Salisbury, 2002:118].
À vista disso, tais empreendimentos desse
autor cristão não somente tiveram uma dimensão particular naquela sociedade,
como essas missivas puderam atingir objetivos e perspectivas cristãs e
ascéticas mais amplas naquele mundo e em tempos póstumos.
Destarte, ao realizarmos uma análise densa
dessas fontes de Jerônimo de Estridão e de uma forma muito específica,
percebemos que todos esses predicados propostos para o gênero feminino –
aristocratas consagradas, patronas, matronas cristãs e continentes – foram
idealizados por homens e, consequentemente, dirigidos exclusivamente ao
feminino. Raramente se fez alusões, nesses escritos, aos homens, aos varões.
Outrora e no tempo presente, propunha-se e
propõe-se a continência perene para o gênero masculino pertencente ao clero
católico – o celibato clerical. Verificamos que, em Jerônimo, não há tratados
remetidos ao masculino, para que homens se mantenham virgens ou para que os
viúvos se dediquem a uma vida consagrada e continente, fiel à memória de sua
esposa falecida. Não se observam escritos que sugerissem os homens a
permanecerem em suas residências e trabalharem manualmente em suas residências.
Assim posto, a renúncia sexual feminina
permitiu que as mulheres ricas, mediante o exercício da virgindade e a viuvez
consagrada, criassem uma rede de patronato e evergetismo sobre a nova fórmula
da caridade cristã, que consistia em uma das mais importantes bases econômicas
da comunidade eclesial e um atrativo para o proselitismo das manifestações
cristãs [Teja, 1999: 224]. Portanto, rompendo com a ordem androcêntrica e
patriarcal imposta a gênero feminino no Mundo Romano na Antiguidade Tardia.
As mulheres notáveis que adotavam a
experiência ascética cristã, por meio do estado de vida virginal, de certa
forma quebravam uma ordem sócio-política que por muito tempo predominava na
sociedade romana Antiga. Em outros termos, a estrutura tradicional que ditava
que a mulher geraria para aquela sociedade novos cidadãos – o gênero feminino
era entendido como uma espécie de um aparato que deveria conceber descendentes.
No Mundo Tardo Antigo, as figuras femininas
cristãs abastadas poderiam alcançar prestígio na sociedade se rejeitassem suas
obrigações familiares. Elas seriam capazes de realizar tal intento para se
dedicarem aos estudos teológicos e para fazerem peregrinações em lugares
considerados sagrados pelos cristãos daquele tempo. Além do mais, a virgindade
consagrada cristã era um instrumento para mulher estar livre da demanda imposta
a ela pelo meio social. Contudo, esse estado de vida era um meio de controle de
seus desejos particulares, o que poderia resultar na continência perpétua
[Clark, 1993: 126-127].
Por seu turno, a continência perfeita, a
pudicícia e a repulsa ao casamento ou novas núpcias, adotado pelas aristocratas
cristãs – exclusivamente virgens e viúvas –, foram vias para libertação das
vicissitudes negativas da vida matrimonial – molestiaenuptiorum. Dessa maneira,
a recusa ao casamento ou recasamento era um meio alternativo a uma possível
dependência e serventia a um esposo (ao masculino).
Muitas matronas viúvas cristãs se dedicavam
não somente às doações para os mais necessitados da sociedade, mas também na
construção de edifícios religiosos para finalidades ascéticas – exercendo o
tradicional evergetismo, caracterizado por sua tradicional modalidade chamada
beneficentia [Serrato Garrido, 1999: 347].
Finalmente, as matronas da Antiguidade cristã
ousaram em suas conquistas e realizações e lutaram por elas em meio a uma
sociedade e estrutura religiosa que privilegiava somente os homens.
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Aguardando perguntas. Estou a disposição!
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