Paola Vieira da Silveira


LEVANTAMENTO QUANTITATIVO DE MULHERES PARTICIPANDO DO PLEITO ELEITORAL E MULHERES ELEITAS: SOMBRIO/SC (1988-2016)



As mulheres ficaram durante 20 séculos sem ter o direito de votar ou serem votadas no processo de escolha governamental, somente no decorrer do século XX que esses direitos foram alcançados, em decorrência do movimento sufragista. Lolatto [2016] relata que este movimento surgiu no Reino Unido questionando as mulheres não terem representação e não poderem escolher representantes na esfera pública. Logo se espalhou pelo mundo, e em 1932 o Brasil autorizou o voto feminino.

Em âmbito nacional, de 1932 até o período da redemocratização política na década de 1980, as mulheres tiveram muitos desafios, como a ditadura do estado novo e a ditadura civil militar, como aponta Janine Petersen [2006] estes foram momentos de desmobilização das mulheres, onde suas lutas se fundiram com a luta de todo o povo.

A historiadora Marla Luiza de Andrade Amorim [2015] relata que após esse período, em 1985 criou-se o conselho nacional dos Direitos da Mulher e com a promulgação da constituição de 1988 as mulheres participaram com assiduidade dos debates e da Constituição cidadã. Neste sentido, Lolatto [2016] aponta que em 1995 foi realizada em Pequim a VI Conferência Mundial sobre a Mulher, dela resultou uma plataforma de ação onde uma das medidas visava ações para garantir o acesso das mulheres a estruturas de poder. Todavia, a participação feminina na política ainda é desproporcional em relação aos homens, a autora evidencia tal fato:

“E mesmo passadas décadas da conquista do voto, persiste uma grande disparidade na participação de homens e mulheres no espaço da política. Aparentemente paira a ideia de que as mulheres estão em todos os lugares, trabalham em diferentes postos, são independentes financeiramente e “chefes” de famílias, podem ser líderes comunitárias ou ícones de sucesso, mas o mundo da política parece continuar sendo o limite. Este ainda é um local para homens e não para mulheres”. [LOLATTO, 2016, P. 128].

Alinhando-se ao pensamento de Lollatto, Amorim (2015) contextualiza o estado de Santa Catarina e ressalta que no ano de 2012, o maior colégio eleitoral do estado, localizado em Joinville, elegeu somente uma mulher. Aponta também dados da imprensa, expondo que

“Nos últimos 20 anos, o número de mulheres que se candidataram para deputada estadual ou federal em Santa Catarina passou de 8 para 174, um aumento  de 2.075%. Porém, o número de eleitas ainda avança a passos lentos. Em 1994, uma mulher foi eleita, enquanto em 2010 esse número passou para cinco”. [DiárioCatarinense, 26/07/2014, APUD, AMORIM, p. 293].

As pesquisas sobre mulheres na política em Santa Catarina têm como cenário, habitualmente, os grandes centros, plausível de maior relevância política e maiores colégios eleitorais. Entretanto, desponta o questionamento de como acontece à participação das mulheres no âmbito político em outras localidades. As mulheres estiveram por muito tempo, não só excluídas das decisões políticas, como também, a margem da história. Um suporte para esta afirmação é Michelle Perrot [2012], ela destaca a relevância em escrever história das mulheres e cessar o silêncio que estas foram submetidas. Desta forma, supõe-se que não somente as mulheres dos grandes centros devem ter suas histórias documentadas, mas também as mulheres das comunidades interioranas.

Segundo a autora, gênero, em primeiro momento, se tornou sinônimo de mulheres. Nessa conformidade, Scott [1995] percebe duas abordagens utilizadas pelos/as historiadores/as, são elas:

“A primeira é essencialmente descritiva; quer dizer, ela se refere à existência de fenômenos ou de realidades, em interpretar, explicar ou atribuir uma causalidade. O segundo uso é de ordem causal e teoriza sobre a natureza dos fenômenos e das realidades, buscando compreender como e porque eles tomam as formas que têm”. [SCOTT, P. 74-75].

Ou seja, nenhumas das abordagens buscavam dar visibilidade a atuação das mulheres nas sociedades. Inclusive, Scott [1995] enfatiza que como a preocupação teórica surgiu no fim do século XX, ela está ausente das principais abordagens teóricas.

Com todo o exposto, percebe-se a importância de trabalhos que dão visibilidade as mulheres, por mais difundido que o tema esteja ainda se tem muito que fazer para suprir os séculos de silenciamento.

Neste sentido, o presente texto tem como objetivo um levantamento da presença das mulheres na disputa eleitoral e nos cargos do legislativo e de chefe executivo municipal na cidade de Sombrio entre os anos de 1988 a 2016. Esta cidade está localizada no extremo sul do estado de Santa Catarina, a aproximadamente 240 km da capital, Florianópolis. Segundo dados do último Censo, Sombrio têm aproximadamente 27 mil habitantes. A escolha desta cidade como foco da análise está ancorada no lugar social da pesquisadora.

O recorte temporal é delimitado pelo ano em que a primeira mulher foi eleita no legislativo deste município até o ano que compreende as últimas eleições municipais. A relevância desta pesquisa está em abordar um município fora do eixo das grandes cidades, mostrando parcialmente, como ocorre à inserção das mulheres na política em cidades do sul do estado de Santa Catarina.

Para compreensão da trajetória das mulheres na política igualmente do sistema de cotas, foi utilizada uma pesquisa bibliográfica com foco na História das Mulheres e na História Política. Para o levantamento acerca de mulheres que integraram o pleito eleitoral de 1988 a 2016 em Sombrio/SC o suporte foi o site do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.

O Quantitativo Da Presença Feminina Na Política Sombriense
Sombrio é uma cidade localizada no Extremo Sul do estado de Santa Catarina. Pertencente a Araranguá, sua emancipação foi declarada em 1953, aponta Aurelino C. Pereira [2015]. O autor ainda destaca que os dois primeiros prefeitos, Tenente Aminthas Melo e Francisco Lummertz, foram nomeados. Mas, no ano seguinte, em 1954 o representante municipal passa a ser eleito pelo voto popular, sendo o primeiro prefeito eleito Santelmo Borba [PEREIRA, 2015].

Nesta perspectiva, a partir do levantamento realizado no site do TRE foi constatada a presença feminina em eleições somente em 1988, no qual seis (6) mulheres concorreram ao legislativo, em contra partida a 72 representantes do gênero masculino. Somente em 1996 é possível identificar a presença feminina na disputa pelo Executivo, mas é importante mencionar que nesta primeira aparição surge sendo ‘cabeça de chapa’. Na tabela a seguir é apresentada quantitativamente a presença masculina e feminina na disputa eleitoral de 1988 a última eleição municipal, em 2016, ficando evidente a disparidade:


TABELA 1: Presença feminina e masculina na disputa eleitoral de 1988 a 2016. Fonte: Da autora.

Essa desigualdade fica ainda mais acentuada quando considerado o número de mulheres efetivamente eleitas. Apenas três (3) representantes do gênero feminino foram eleitas vereadoras em Sombrio. Somente uma após a virada do milênio. Um número surpreendente se ponderarmos que vem aumentando gradativamente a representatividade feminina na disputa eleitoral. Observamos a tabela:


TABELA 2: Quadro de mulheres eleitas no legislativo de Sombrio de 1988 a 2016. Fonte: Da autora.

O número de suplentes, embora estivesse em oscilação entre 1988 e 2008, cresceu nas duas últimas eleições, contudo durante o levantamento foi identificado que as coligações foram fundamentais para esse resultado. A tabela 2 não evidencia o poder executivo, no entanto, em 2016 foi eleita a primeira mulher para o poder executivo do município no cargo de vice-prefeita.

Em 1982 ocorreu a primeira eleição livre para governadores dos estados no período compreendido pela ditadura militar, neste mesmo ano foi realizado em Blumenau um grande encontro organizado por mulheres do PMDB onde tinham como pauta “maior participação na política, a verificação das políticas sociais, além de mudanças no código civil”, aponta Amorim [2015]. A autora ressalta este evento como um marco para a participação política das mulheres no estado. E por ele sucederam-se outros movimentos, fortalecendo as mulheres politicamente, inclusive permitindo-as participação efetiva nos debates da constituição cidadã, analisa Amorim [2015].

Entretanto, mesmo com participação garantida nos textos constitucionais, na prática, é ainda pequeno o número de vozes femininas no setor político [AMORIM, 2015]. Araújo [1998] chama a atenção para uma diferenciação entre representação e paridade, considerando isso, é possível ponderar que na política catarinense, brasileira e, inclusive, mundial há representações femininas, mas não há paridade entre os gêneros [Amorim, 2015; Araújo, 1998].

Neste sentido se insere a política de cotas, uma lei que institucionaliza a reserva de vagas por gênero nos partidos políticos. Segundo Amorim [2015] o projeto de lei 9.100/95 proposto pela deputada Marta Suplicy instaurava que 20% das vagas de cada partido ou coligação deveria ser preenchida por mulheres. Como repercussão os partidos iniciaram campanhas para filiação de candidatas, as pautas femininas começaram a aparecer e a participação feminina passou a fazer parte das discussões políticas. Mesmo com avanços, os resultados ainda foram insuficientes, então em 1997 entre em vigor a Lei 9.504/97 modificando o percentual para 30%. Contudo, somente em 2009 com a Lei 12.034/09 é que há uma alteração efetiva na Lei de cotas obrigando os partidos a preencherem o percentual [AMORIM, 2015].
Mulheres integrando a política partidária levantam discussões sobre pautas que fazem referência as mulheres, um exemplo, é a própria lei de cotas proposta por uma candidata mulher, como pontuado anteriormente. Porém a presença de mulheres não significa espontaneamente a defesa destas pautas, isso acarreta em seus projetos não serem aprovados [AMORIM, 2015].  Porém, para Amorim [2015] as relações de gênero ficam implícitas na atuação política, visto que as mulheres acabam por ficar com questões referentes a cuidados, uma opção que muitas vezes reflete:

“o fato de que o eleitorado, os meios de comunicação e os próprios pares no campo político serão mais receptivos a atuação de uma mulher na área social. Isto é, esta atuação pode ser mais efetiva e angariar maiores dividendos simbólicos caso ocorra a favor dos estereótipo de gênero e não contra eles”. [MIGUEL e BIROLI, 2011, p. 112].

É evidente que a política de cotas, principalmente a partir de 2009, influenciou as candidaturas mulheres, fazendo com que disparasse em 2012 e 2016 o número de mulheres na disputa eleitoral. Contudo, se ponderarmos o número de candidatas eleitas não houve nenhuma para o legislativo. Deste modo, é evidente a disparidade de gêneros na política partidária, onde as mulheres são apenas o suporte para o partido, mas não disputam de fato a corrida eleitoral.

Considerações Finais
Com a análise das tabelas, é possível perceber que nos primeiros anos a diferença na quantidade de candidatos entre homens e mulheres era mais expressiva, e com o passar do tempo a disputa eleitoral foi gradativamente ficando mais equilibrada entre os gêneros, a lei de cotas foi o principal fator para isso. Contudo este equilíbrio baseia-se apenas na quantidade de candidatos, e não traduz a paridade de gênero na disputa eleitoral, bem como entre os eleitos, evidenciando assim, que mesmo com a lei que determina o espaço de candidaturas femininas, o desinteresse dos partidos, que em sua maioria tem suas executivas formadas por homens de classe média, em promover a participação efetiva da mulher na corrida eleitoral, e mantendo assim apenas o percentual mínimo para registrar e aprovar suas candidaturas. Isso expressa como a política partidária é um ambiente masculinizado, machista, onde para se inserirem, as mulheres têm que participar de acordo com as regras já impostas além de serem vistas apenas como peças de composição numérica.

Referências
Paola Viera da Silveira é historiadora e professora, mestra em ciências ambientais, atua como pesquisadora associada do laboratório de arqueologia da UNESC e como professora na rede estadual de ensino de Santa Catarina.

AMORIM, Marla Luiza de Andrade. Quando as mulheres entram em cena na política em Joinville (1980-2014). Dissertação (mestrado) apresentada ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina sob orientação da Professora Marlene de Fáveri - Florianópolis, 2015.
LOLATTO, Simone. Mulheres na Política: Trajetórias das Vereadoras Titulares de Florianópolis/SC (Brasil). Tese de Doutorado apresentada ao Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas da universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação da Professora Teresa Kleba Lisboa - Florianópolis, SC, 2016.
MIGUEL, Luis Felipe e BIROLLI, Flavia. Caleidoscópio convexo: mulheres, política e mídia. São Paulo: Editora UNESP, 2011
PERROT, Michelle. Minha história das Mulheres. 2ªed. São Paulo: Contexto, 2012.
PETERSEN, Janine. Formação de grupos feministas em Santa Catarina – década de 1980. Florianópolis, 2006
SCOTT, Gênero: uma categoria útil de análise. Educação e Realidade, Porto Alegre, p. 71– 99, 1995.

2 comentários:

  1. Oi Paola, parabéns pelo seu texto. Temos uma colega, professora do PPGCS - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFCG. Ela é antropóloga e desenvolve pesquisas nas seguintes áreas: Gênero e Política, Cultura e Política, Voto e Comportamento Eleitoral, com ênfase em estudos de antropologia da política, a mulher e a disputa por espaços de poder, cotidiano da política, política no ciberespaço. Tem orientado dissertações e teses nessa temática. Acho que seria muito interessante vocês trocarem figurinhas.

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  2. Oi Rosilene! Obrigada! Fico muito feliz com sua indicação, toda troca e dialogo é muito bem vindo. Irei procurar a professora, tenho certeza que será de grande contribuição.

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