MULHERES E ESPAÇO PÚBLICO
A participação de mulheres na política
externa e nos espaços de decisão transnacionais precisa ser discutida, visto
que, em um mundo no qual as injustiças e lutas por igualdade não se restringem
apenas ao âmbito doméstico, a participação paritária e representativa das
mulheres nos espaços internacionais é uma exigência para o avanço da promoção
da igualdade de gênero e da quebra da estrutura patriarcal dominante que
reproduz as relações de dominação.
Assim, a presente pesquisa tentará contextualizar essas novas ideias em
um cenário que, acredita-se, esteja se tornando mais favorável à aceitação e
ascensão femininas nos meios ligados às relações internacionais, especialmente
na América Latina, tendo como reflexo o aumento do acesso de mulheres às
carreiras e áreas que historicamente há o predomínio da ocupação masculina. A
proposta é analisar teoricamente uma política que traduza as ideias de
democracia e inclusão voltadas para o acesso e preservação da ascensão feminina
no campo político internacional trazendo alguns questionamentos sobre
complexidades das relações de poder em paridade à presença masculina.
Ao parafrasear a definição de “história como
a ciência dos homens no tempo”, realizada por Marc Bloch (2001), Tilly ajusta
tal fórmula estabelecendo uma simples, porém brilhante definição para a
história das mulheres: “a ciência das mulheres no tempo”. Mais do que pensar o
critério biológico, familiar, geográfico, de costumes e regras sociais, raça ou
de classe social, a melhor justificativa para validar a importância dos estudos
acerca da mulher e experiências, porque as mulheres não apenas vivem, mas
também atuam no tempo. Logo, são atores históricos e como tal precisam ser
considerados.
Podemos entender a história das mulheres como
a ciência das mulheres no tempo. Mais do que pensar o critério biológico,
familiar, geográfico, de costumes e regras sociais, raça ou de classe social, a
melhor justificativa para validar a importância dos estudos acerca da mulher e
experiências, porque as mulheres não apenas vivem, mas também atuam no tempo.
Logo, são atores históricos e como tal precisam ser considerados.
A historicidade do presente implica em um
fazer histórico que une o comprometimento teórico e ético. Assim, a
historicidade e a experiência histórica correspondem à construção narrativa da
realidade. Segundo os autores “diante da eminência de catástrofe não se pode
deixar de observar que a tendência é uma ‘atualização’ do coletivo singular
‘história’, por meio do conjunto de operações reconhecido por ‘historiografia’
e sustentados por uma camada de mediações que historiciza o presente, que
produz o que reconhecemos por historicidade” (SOUSA, 2017, p. 76).
Portanto fazer história do tempo presente é
fundamental, mas não resolve a questão. Não basta se aproximar do horizonte do
presente, é necessário afirmar que nem tudo que se tem acesso do passado fica
nele, nem tudo é superado. A cicatriz, a memória que está no corpo, jamais será
acessível por uma história que se pretende metodologicamente distanciada e,
simultaneamente, aberta a seu próprio tempo. As relações que se estabelecem com
as histórias são tão plurais quanto os auditórios, ouvi-los é um caminho, no
mínimo, para a aula correr. Contingente por natureza, as aulas nem sempre
acontecem da forma como se planeja (SOUSA, 2017, p. 78).
Os historiadores estão reagindo ao contexto
de crise das ciências humanas buscando alternativas no desenvolvimento das
pesquisas e formas de debates públicos e comunicação que possibilitem um
diálogo entre o presente, passado e o futuro, abrangendo temas como meio
ambiente, sociedade digital, etnocentrismo, eurocentrismo, preconceito, gênero,
etnocídios, etc. ou até mesmo temas pouco discutidos no Brasil como “Estudos
Subalternos”, “Estudos Pós Coloniais” e a “História Global”, pois “queremos
conhecer os mundos que existiam antes que tivéssemos nascido, e ter deles uma
experiência direta” (GUMBRECHT, 1999, p. 467), despertando em nós sentimentos
de desconforto (GUMBRECHT, 2012, p. 42), e aprendendo também a conviver “com
uma imensa variedade de discursos históricos, nos mais diversos formatos e linguagens”(
TURIN, 2016, p. 599).
Segundo Skinner, o contextualismo permitiu
aos historiadores evitar o anacronismo e alcançar interpretações válidas. As
interpretações anacrônicas apresentam autores como participantes de debates
que, conforme demonstrado pelo contexto, não estavam em voga quando os autores
escreveram. As interpretações válidas recuperam as intenções dos autores de
tratar de questões particulares em momentos particulares. Skinner apresentou
seu método contextualista como a única maneira de evitar mitos anacrônicos
(SKINNER apud BEVIR, 2015, p. 16).
No que tange ao gênero na história, podemos
destacar a afirmação de Michelle Perrot (PERROT, 2007, p. 15) que ressalta que
a história das mulheres mudou, pois “partiu de uma história do corpo e dos
papéis desempenhados na vida, privada para chegar a uma história das mulheres
no espaço público da cidade, do trabalho, da política, da guerra, da criação”.
No senso comum, as diferenças de gênero são
entendidas como biologicamente determinadas. Muito difundidos em nosso meio, os
discursos de senso comum, por exemplo, homem não chora, as mulheres são frágeis
e sensíveis, etc., funcionam como resposta para possíveis indagações acerca da
veracidade de padrões pré-estabelecidos. Engessando os comportamentos,
limitando a liberdade com base em uma legitimidade que não se adequa ao
racional, como a resposta no natural.
Segundo Kate Millet (1970, p. 10) “uma
revolução sexual acabaria com a instituição patriarcal, abolindo tanto a
ideologia da supremacia do macho como a tradição que a perpetua através do
papel, condição e temperamento atribuídos a cada um dos dois sexos”.
Portanto, é imperativo que indivíduo,
sociedade e subjetividade formam um conjunto que precisamos perceber através de
suas conexões e relações. A subjetividade feminina não é constituída em
separado do tipo de sociedade em que estamos observando, e o indivíduo mulher
possui uma subjetividade própria, assim como uma historicidade particular que
não pode ser reduzida ao grupo que está inserido. Existem modelos impostos pela
cultura ao longo das demarcações temporais que são sentidos por seus indivíduos
e apreendidos distintamente na sociedade. Desta forma, podemos dizer que as
transformações ao longo da história, permitiram que a mulher adquirisse novas
experiências concretas na sociedade, rompendo gradativamente as barreiras duais
e opressoras geradas pelo patriarcado.
Ao se defrontarem com a realidade das
relações de gênero, o patriarcado, o capitalismo, em nenhum deles havia uma
explicação plausível sobre a subordinação feminina e a perseguição aos
indivíduos que não se encaixavam ao modelo tradicional heterossexual de
família. Assim, os feminismos vieram a atuar em espaços historicamente
construídos e tiveram de desconstruir ideologias que desumanizavam as mulheres
no geral, mas especialmente, as negras, as indígenas, as pobres, as
estrangeiras e estimular reivindicações igualitárias por direitos sociais além
das mulheres, dos negros, dos homossexuais e de outros grupos sociais
marginalizados. A sociedade, naturalizando comportamentos, ratifica essas ações
discriminatórias através das repetições.
Tal estrutura patriarcal de dominação é
refletida na participação feminina na política internacional Brasileira. É
notório que mulheres e homens possuem diferentes acessos a posições de poder.
Enquanto os homens se ocupam de cargos de gestão ou de tomada de decisões, as
mulheres seguem relegadas a cargos de menor importância. A Ciência Política e
nas Relações Internacionais foram áreas das ciências humanas em que a inserção
feminina aconteceu com maior demora, devido, dentre outros fatores, à
“masculinidade” atribuída ao poder, bem como aos preconceitos e estereótipos a
respeito dos supostos papéis dos homens e mulheres. Esse campo de estudos, no
entanto, tem presenciado uma emergência de perspectivas que têm questionado a
predominância dessa cultura política e da identificação do campo com
características masculinas, ao mesmo tempo em que têm fomentado novos modos de
ver as relações internacionais, levando em conta a participação de sujeitos
antes invisíveis: as mulheres. Isso se deve a uma série de transformações, que
refletem em um aumento do acesso de mulheres às carreiras e áreas
predominantemente masculinas.
Se houve um trabalho de historicização de
eternizar conceitos e de discursos (patriarcal, por exemplo), para sair desse
elemento opressor, seria necessário um trabalho de reconstrução da história ou
a recriação da história e das estruturas que mantém a dominação masculina. O
Estado, a igreja e a escola foram e são as instituições mais importantes
responsáveis pela construção dos papéis desempenhados pelos gêneros. A família
é o berço da representação da dominação masculina, onde se inicia a primeira
noção de divisão de tarefas baseadas no gênero. A igreja, sendo historicamente
antifeminista perpetua através de séculos a noção moralista patriarcal de
inferioridade feminina, condenando qualquer tipo de prática considerada
subversiva aos costumes, como roupas ou determinados comportamentos. (BOURDIEU,
2003) Assim, a escola contribuiu transmitindo ideias arcaicas de modelos
pré-concebidos tipicamente masculinos e femininos, de profissões e
comportamentos. O Estado adquire uma figura paternalista em alguns países, onde
faz da família patriarcal o núcleo duro da sociedade, atribuindo excesso de
importância ao homem em detrimento da mulher.
Assim, a violência de gênero se expressa e se
reproduz culturalmente através de comportamentos irrefletidos, aprendidos
histórica e socialmente. A sociedade, naturalizando comportamentos, legitima
essa concepção através das repetições, reproduzindo relações de dominação. No
entanto, importante ressaltar que o homem, como um ser complexo e processual,
não está preso a essa lógica determinista. Mas, para escapar desse sistema
opressor, é necessário que se rompa com o universal e se adote uma visão
emancipadora.
Na sociedade contemporânea presenciamos a
introdução de uma perspectiva de gênero em todos os setores da sociedade seja
na política, no trabalho, nas instituições privadas e nas organizações
públicas, seja no desenvolvimento de políticas públicas. A violência simbólica
e a manutenção da estrutura patriarcal é refletida também no campo político
onde é dificultado o acesso das mulheres nas esferas públicas institucionais.
Acredita-se, então, que existe um componente
de gênero a influenciar sobremaneira os comportamentos de homens e mulheres na
ação política, chegando muitas vezes a limitar ou condicionar o acesso feminino
a posições no poder. Uma questão fundamental e mais ampla, que em grande parte
explica o afastamento entre gênero e relações internacionais é a separação
existente entre as esferas pública e privada. As mulheres sempre tiveram seu
espaço restrito ao âmbito privado (doméstico), enquanto política sempre foi
considerado de domínio público, portanto, alheio a elas.
Em todo o mundo, as mulheres encontram
obstáculos para sua participação na política, barreiras já apontadas pelos
teóricos feministas ao constatarem a conformação masculinista da política, economia
e instituições, cristalizada no Estado e em seus componentes. Em 2005, a taxa
de representação feminina em todas as instâncias de atuação política estava
perto de uma taxa de 16% em todo o mundo (WOMEN, 2006). Embora este cálculo
venha aumentando nos últimos anos, o ideal de paridade continua permanecendo
distante. De fato, chega a apenas
11 o número de mulheres no topo do poder político mundial, contrastando
fortemente com os 182 países governados por presidentes ou primeiros-ministros
do sexo masculino. Dados como esse confirmam que, quarenta anos depois da
adoção da Convenção dos Direitos Políticos das Mulheres, e apesar dos
progressos inegáveis, a vida política continua sendo dominada pelos homens em
todos os países (AVELAR, 2001, p. 37).
Na América Latina a situação não é muito
diferente. Região de cultura predominantemente tradicionalista e conservadora,
a América Latina possui somente 14% de mulheres na atividade política. Nos
últimos vinte anos, no entanto, tem se verificado uma ascensão de mulheres no
cenário político, tratada por alguns analistas como resultado de um processo de
“destape”: um processo de liberação de sociedades conservadoras, como a
chilena, por exemplo. Num país em que mulheres e homens ainda votam em seções
separadas, a eleição de uma mulher para a presidência da república foi
considerada por seus partidários um marco histórico (LAMEIRINHAS, 2006, p.
A10).
No Brasil, no que tange a desigualdade de
gênero no campo político no ranking internacional da União
Interparlamentar de 2.015, baseado nos dados das eleições de 2.014, o Brasil se
encontra atualmente no 116º lugar, em um total de 190 países. Segundo
informações da União Inter-Parlamentar, as taxas brasileiras ficam abaixo da
média mundial, que chega a ser de 22,1% de mulheres ocupando as cadeiras nos
parlamentos. Além disso, dados estatísticos do Tribunal Superior Eleitoral
evidenciam a insuficiência da presença de mulheres em cargos políticos no
Brasil e comprovam a problemática existente no trato da questão.
Diante do exposto podemos compreender que por
mais transformações que tenha ocorrido na representação feminina ao longo dos
séculos, alguns pontos são perpetuados e naturalizados na sociedade de forma
que retificam o discurso patriarcal e masculino sobre a mulher, legitimando,
inclusive, o preconceito e a violência de gênero. A igualdade de gênero é
essencialmente uma questão de direito humano, sendo necessária a construção de
um caminho rumo à paridade de participação nos espaços de poder, pois as
mulheres devem ser tão livres quanto os homens e dever haver igualdade de
oportunidade entre os sexos na família e na sociedade, sendo esta ideia básica
do feminismo.
É necessário, portanto, que se assuma uma
postura crítica, que se procure identificar o que está escondido nos
comportamentos, valores, conceitos. E, como solução possível para a questão da
dominação masculina, bem como dos efeitos da violência contra a mulher, para se
escapar desse sistema opressor, é necessário que se rompa com o universal e se
adote uma visão humana emancipadora, que implique no respeito à igualdade e a
não discriminação, pilares básicos para uma efetiva igualdade de gênero.
Referências
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Gostaria de parabenizar pelo trabalho com uma temática necessária!
ResponderExcluirA discussão sobre as esferas públicas e privadas, sendo direcionadas para e mulheres e mulheres por meio de construções histórico culturais na sociedade são postuladas desde a antiguidade, como colocado por você, a participação das mulheres na esfera pública precisa ser discutida, a presença é estaticamente inferior ao homens em muitos quesitos nos espaços de decisão e de poder, configurados como esfera pública. Na política brasileira, no que diz respeito ao poder Legislativo, nos mandatos entre 2003 e 2019, nas quatro legislaturas, as mulheres ocuparam entre 8,7% à 10,1% de cadeiras no congresso, números expressivamente inferiores, o que traduz um pouco de como está elencada a representação da mulher na política brasileira, ou seja, espaços de decisões. Como estudiosa do tema, a partir desta relação da presença de mulheres nos inúmeros espaços onde não apresentam igualdade, como você avalia nosso cenário atual brasileiro a partir desta dicotômica divisão, em sua percepção qual os meio aguçar posturas críticas! Obrigada, abraços!
Ass: Ingrid Taylana Machado
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirObrigada, Gabriela! Foi prazeroso ler seu texto. Vejo que há muito a ser discutido a respeito dessa temática, as mulheres ainda sofrem muito com a não igualdade de gênero, isso se traduz no âmbito político de forma escancarada pelas estatísticas. O espaço público à mulher é negado históricamente, sendo um processo lento e gradual a ser superado.
ResponderExcluirA minha pergunta é a seguinte: Como romper com uma visão cristalizada no âmbito político de que lugar de mulher não é no espaço público?
Atenciosamente. Thais Carraro
Olá! Muito bom e importante o seu texto. Serve de alerta para nós mulheres, para que percebamos que somos capazes de realizar feitos importantes, que fazemos parte da história sim e que também temos capacidade para ocupar cargos nas diversas esferas políticas.
ResponderExcluirMas, infelizmente, não apenas no Brasil e no mundo o que predomina é o conceito patriarcal nos âmbitos sociais. O que percebemos atualmente no cenário político brasileiro é a fortificação do conceito historicamente construído, que o "lugar" de mulher é a ocupação dos espaços do privado.
Você concorda que, para que a mulher passe a ocupar os mais diversos campos políticos é a luta individual, diária, contra as questões de gênero que lhes são impostas de forma arbitrária pela sociedade que se somadas formarão uma corrente de união pela independência feminina? Visto que não é tarefa fácil, pois a cultura paternalista é tão enraizada, que ainda há mulheres que não tem "força" para lutar contra essa tradição, que usa de discursos falsos, como os de "proteção ao sexo frágil", “incapacidade feminina” na ocupação de cargos masculinos, etc, que impedem as mulheres de ocupar espaços de igualdade na sociedade?
Obrigada.
Alini Garbelini
Excelente texto, parabéns Gabriela. Discutir as relações de gênero e as lutas femininas ao longo dos tempos é uma questão fundamental. Estamos inseridos em uma sociedade historicamente patriarcal e machista, onde apesar das lutas travadas há séculos pelos direitos da mulheres, sabemos que há muito a se fazer. Nesse sentido, gostaria de lhe perguntar como você observa os movimentos conjuntos das mulheres nos dias atuais? e como a representatividade de personalidades, como Nísia Floresta e Maria Quitéria, que estiveram presentes em ações políticas podem motivar outras mulheres a se engajarem na luta pela emancipação feminina?
ResponderExcluirobrigada.
Lara de Sousa Lutife.
Me ha gustado mucho tu texto.
ResponderExcluirSi se da un vistazo a la historia, se nota que la mujer a lo largo de los años se ha creído que su posición inicial esta en el hogar y aunque la mujer se ha ido reivindicando y ha ido tomando poder en el desarrollo de la sociedad considero que aún falta mucho por hacer aún en los derechos de la mujer y es necesario tomar ambas partes,tanto hombres como mujeres para poder llegar a una igualdad y no solo un tramo de la población.
Boa noite,
ResponderExcluirAlém da parcela e das pautas das mulheres no campo político, como você acredita que a sua presença política na mídia colaborada com o fato de poder político feminino?
Att,
Victor Romero de Lima