MULHERES NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS: INSERÇÃO E PERSPECTIVA NOS ESPAÇOS DE SABER-PODER
O conceito de alfabetização tem se modificado
ao longo do tempo. “Com base nos diversos censos demográficos realizados no
Brasil podem-se perceber alguns aspectos dessas alterações.” [SCHWARTZ, 2010,
p.23]. Inclusive no modo de avaliação do nível de alfabetização dos indivíduos.
Até 1940 era alfabetizada a pessoa que assinava seu nome, a partir de 1950 eram
consideradas alfabetizadas as pessoas que sabiam ler e escrever um texto
simples.
Na década de 1990 políticas públicas como a
Bolsa Escola fomentaram o acesso da população à educação básica. No ensino
superior, com a criação de programas como o FIES (Fundo de Financiamento
Estudantil) e PROUNI (Programa Universidade para Todos) e com o aumento das
universidades privadas, que ultrapassou em muito o número de alunos
matriculados em relação a universidade pública, favoreceu especialmente as
mulheres. [DOTTA, 2015, p. 09]
Desde o século XX estamos presenciando um
avanço no que diz respeito à formação das mulheres. “No Brasil a educação de mulheres
é fato recente e intenso. ” [PINSKY, 2013, p. 333]. Desde o primeiro censo de
1872 até o de 1950 os indícios de analfabetismo de mulheres eram vários pontos
percentuais maiores que os dos homens. A inversão só foi detectada no início
dos anos 1990. E de fato a educação feminina só se efetivou com a LDB em 1971
com a equivalência entre os cursos secundários.
Inicialmente é necessário apresentar uma
contextualização acerca do público alvo das desigualdades sociais. A EJA,
segundo dados do MEC, surge como uma modalidade de ensino responsável pela
conclusão da educação básica de jovens e adultos que em seu período regular não
tiveram a oportunidade de terminar os estudos e assim incluí-los socialmente de
modo satisfatório. Pensando nisso reflete-se sobre algumas questões no tocante
a continuidade dessa forma de ensino.
A EJA no Brasil, é marcada por sucessivos
processos governamentais [ALMEIDA, 2015]. Mas em contrapartida, a maioria deles
foi descontínuo o que ocasionalmente cristalizou a essa modalidade de ensino
uma invisibilidade muito grande nos projetos públicos. Apesar dos jovens e
adultos serem assegurados tanto pela LDB, quanto pela Constituição Federal, na
prática vemos que a carência de políticas públicas destinada à EJA é muito
grande. O impedimento não é
especificamente na oferta dessas vagas, mas, sim em mecanismos asseguradores da
permanência desses alunos na sala de aula, haja vista muitos deles serem
obrigados a escolher entre a educação ou a sobrevivência.
O processo histórico pelo qual a Educação de
Jovens e Adultos passou, denuncia de certo modo o quão forte são as
desigualdades sociais ao nosso redor. Trabalhadores e trabalhadoras obrigados a
se contentarem em receber salários pequenos e ainda se submetem a condições de
trabalhos extremamente exaustiva por conta do baixo índice educativo durante
seu período regular é preocupante em nossa sociedade. [ARROYO, 2017]. A EJA é,
ou pelo menos deveria ser, uma das modalidades de ensino que assegurasse essa
possibilidade de conclusão do ensino aos jovens, adultos e até mesmo de idosos.
“A inserção no campo da Educação de Jovens e
Adultos, na idade adulta, significa conciliar diferentes responsabilidades com
as tarefas, horários e outras exigências escolares.” [EITERER, 2014, p.07] Em
geral a jornada doméstica pesa mais sobre as mulheres, então retornar aos
estudos se torna uma alternativa somente na EJA devido a grande quantidade de
responsabilidades que as mesmas assumem ao longo de suas trajetórias.
O
programa educacional que mais possibilita a inserção de mulheres na educação é
a Educação de Jovens e Adultos (EJA), e agora de Idosos, a qual é assegurada
pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96. Esse modelo de educação
possibilita que as mulheres que por diversos motivos tiveram que deixar de
frequentar as salas de aula, como a necessidade de trabalhar desde a
menoridade, a constituição da família que sobrecarrega ou a falta de transporte
para o deslocamento até a escola, a retornarem para o âmbito escolar.
[FERNANDES, 2016, p. 02]
As mulheres encontram na EJA uma oportunidade
de terminarem seus estudos, devido ao horário noturno pois há a possibilidade
de desempenhar outras atividades ao longo do dia. Mas isso nem sempre é
garantia de permanência nas salas de aula, pois muitas vezes são proibidas por
seus maridos, ou ainda precisam cuidar dos filhos entre outros motivos que
fazem o nível de evasão das mulheres ser acentuado.
“[...]
Para a mulher que decide voltar a estudar, são várias as dificuldades
enfrentadas entre a matrícula e a permanência nas aulas, ou seja, contar com o
apoio do marido, parentes, filhos, patroas ou com a violência física e
psicológica; luta solitária pela sobrevivência deixar de ser obediente ao
marido e brigar pelo seu direito de estudar; assumir, no contexto profissional,
a opção pelo estudo e enxergar que o marido não tem o direito de impedir que
ela prossiga seus estudos. Sentar nos bancos escolares representa o nascimento
de uma nova vida, valorizada e reconhecida, por ser alguém que adquiriu
conhecimentos no contexto escolar.” [CAMARGO, 2014, p. 131]
O conhecimento é construído, produzido,
selecionado e sendo assim não é neutro, dessa forma os próprios alunos de EJA
são produtores de conhecimento também A identidade da educação de pessoas
jovens e adultas vem dessa coexistência, encontro, confluência dessas
identidades coletivas. [ARROYO, 2017, p.24]. Todos são atores do real vivido.
Nossas memórias estão ligadas à grupos, desse modo a vida cotidiana também vai
se fixando à memória. As memórias trazidas por mulheres para a sala de aula
podem ser as mais diversas dependendo de sua vida cotidiana fora da escola.
Nesse
sentido, COSTA (2014), de igual modo afirma que, “Todavia, algumas vezes, essas
memórias rompem com a realidade, convidando-nos a uma viagem pela imaginação,
pelo mundo da subjetividade. Isso é natural quando se apreende que a lembrança
não se configura como uma mera reprodução do fato; ela é, sobretudo, recriação
do passado, é esperança de construção do novo.”
Conforme afirma [LOPES, 2019, p. 02], “É
preciso que a sociedade compreenda que alunos de EJA vivenciam problemas como
preconceito, vergonha, discriminação, críticas dentre tantos outros. E que tais
questões são vivenciadas tanto no cotidiano familiar como na vida em
comunidade.” Se formando assim uma teia onde o ambiente de convívio e os
problemas pessoais do indivíduo afetam a educação como o inverso.
Mas essa é uma questão que vai além do debate
sobre educação, perpassa também pela esfera do gênero, mais especificamente a
desigualdade entre os gêneros. Nas palavras da historiadora Joan Scott “O
gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a
criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às
mulheres.” [SCOTT, 1989, p.07]. Ou seja, gênero é caracterizado pela construção
de atitudes e comportamentos em sociedade.
Isto é, a necessidade de cuidar dos filhos e
da casa requer muito tempo das mulheres que muitas vezes são encarregadas
desses serviços sozinhas. Então muitas vezes se veem sem opção e obviamente sem
tempo para o retorno a escola. O retorno às escolas revela muitas coisas.
Resistências, identidades, lutas por igualdades entre outros. “A volta à escola
como passageiros da noite e do dia em itinerários pelo direito a um justo viver
é uma firmação de coragem.” [ARROYO, 2017, p. 242]
“O ideário de que a educação de meninas e
moças deveria ser mais restrita que a de meninos e rapazes em decorrência de
sua saúde frágil, sua inteligência limitada e voltada para sua “missão” de mãe;
o impedimento à continuidade dos estudos secundários e superior para as jovens
brasileiras” [PINSKY, 2013, p. 334].
Isso reflete de certo modo no perfil social
das mulheres que estão matriculadas nas turmas de EJA. Haja vista que muitas
delas em sua juventude não tiveram oportunidades de concluir seus estudos.
Em 1879 com a Lei Leôncio de Carvalho as
mulheres tiveram o direito de estudar em instituições brasileiras de ensino
superior. De acordo com (PINSKY, 2013), algumas mulheres se destacaram no que
se refere a inserção no ensino superior. Mas isso se deu depois de muito tempo
de negação da educação formal as mulheres devido o imaginário da época ser
voltado para a natureza corruptível da mulher, atrelado as crenças religiosas.
Mulheres como Maria Augusta Generosa Estrela que foi a primeira brasileira a
ter diploma de ensino superior, porém não foi em uma instituição brasileira. No
ano de 1882 Maria se formou em Medicina nos Estados Unidos.
Ainda
de acordo com (PINSKY, 2013), Em 1887 a branca Rita Lobato graduou-se na
faculdade de Medicina da Bahia. Apenas 39 anos depois uma negra conseguiu se
graduar em nível superior no Brasil. Maria Rita de Andrade graduou-se portanto
em Direito pela Faculdade de Direito da Bahia. Trata-se, porém, além do gênero feminino,
é visível neste caso o preconceito estrutural e social com relação a cor do
indivíduo. É deste modo uma barreira dupla, ser mulher e ser negra.
Maria das Dores de Oliveira, da etnia
pankararu, obteve em 2006 o título de doutora pela Universidade Federal de
Alagoas. Retoma-se aqui a afirmação inicial que “no Brasil a educação de
mulheres é fato recente e intenso.” [PINSKY, 2013, p. 333]. Então por muito
tempo pensou-se que partilhar de etnias indígenas foi sinônimo de retrocesso e
marginalização. Então ter uma mulher indígena com doutoramento é um avanço
significativo na educação de mulheres.
Podemos questionar a ideia de hierarquização,
recordando que não há, em essência, trabalho que seja em si mesmo feminino ou
masculino. As atribuições sociais estabeleceram esses lugares e podem ser
alteradas. [Eiterer, 2014, p. 169] Ou seja, muito do que hoje se considera
espaços femininos e masculinos são frutos de construções sociais, assim como o
acesso à educação. Há estudos sobre a trajetória educacional das mulheres, isso
se deve ao fato de que existem uma grande quantidade de mulheres formada em
ciências humanas.
Aprendemos a ser homens ou mulheres pela ação
da família, da escola, de instituições religiosas, grupos de amigos entre
outros. Por isso que, Joan Scott coloca que, o “[...] gênero se torna, aliás,
uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social
das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres.” [SCOTT, 1989,
p.07]. Ou seja, gênero é caracterizado pela construção de atitudes e
comportamentos em sociedade.
Consoante a esse elemento, devemos também
levar em consideração a categoria, classe, discutimos o sentido do processo
histórico e como ela concebe a ideia da: má distribuição de renda e a forma
como as pessoas são discriminadas no que se refere ao nível econômico dos
indivíduos. A dificuldade de ascender socialmente é um dos motivos que ainda
permeiam e solidificam a divisão das classes econômicas e desse modo muitas
pessoas se sentem discriminadas por tal condição.
“O racismo e o sexismo que vêm da colônia
reproduzem-se na república e são repostos na fraca, violenta democracia.
Realismo e sexismo reafirmados nas estruturas de poder, de trabalho. De classe.
[...]” [ARROYO, 2017, p.246]. No que se refere a classe para os alunos de EJA
“Viver, [...] significa ter o que comer, ter um salário, ter uns trocados.”
[ARROYO, 2017, p.57]. Quer dizer, em virtude das limitações econômicas se veem
obrigados a largarem os estudos no período regular e agora na EJA pretendem
retomar as atividades.
Referências
Jakson dos Santos Ribeiro – Professor Adjunto
I, Doutor em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará
(2018). Mestre em História Social pela Universidade Federal do Maranhão (2014).
Especialista em História do Maranhão pelo IESF (Instituto de Ensino Superior
Franciscano) (2011). Graduado no Curso de Licenciatura Plena em História da
Universidade Estadual do Maranhão (Centro de Estudos Superiores de Caxias-MA)
(2011). Coordenador do Laboratório de Teatro do Centro de Estudos Superiores de
Caxias – CESC – Campus/UEMA.
Antonia Stephanie Silva Moreira é graduanda
em Licenciatura Plena em História, pelo Centro de Estudos Superiores de Caxias,
da Universidade Estadual do Maranhão – CESC/UEMA.
ARROYO, Miguel. Passageiros da noite: do
trabalho para a EJA: itinerários pelo direito a uma vida justa. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2017.
CAMARGO, Poliana da Silva Almeida Santos.
Diversos olhares sobre a educação de jovens e adultos- EJA: uma revisão de
literatura (1976-2004). UNICAMP, Revista Brasileira de Educação de Jovens e
Adultos, vol.2, nº 3, 2014.
FERNANDES, Caroline Lins, et al. A inserção da mulher na modalidade EJA. II
CINTEDI. Centro de Convenções Raymundo Asfora. 16 a 18 de novembro de 2016.
Campo Grande- PB.
PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria.
Nova História das mulheres no Brasil. - 1. ed., 1ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2013.
Eiterer, Carmem Lucia. Aspectos da
escolarização de mulheres na EJA. PERSPECTIVA, Florianópolis, v. 32, n. 1, 161-180,
jan./abr. 2014
LOPES, Selva Paraguassu; SOUZA, Luzia Silva.
EJA: Uma Educação Possível ou MeraUtopia. CEREJA. Disponível em:
<http://www.cereja.org.br/pdf/revista_v/Revista_SelvaPLopes.pdf>.
Acessado em: 02 de setembro de 2019.
SCHWARTZ, Suzana. Alfabetização de jovens e
adultos: teoria e prática. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá, parabéns pelo texto de temática urgente no Brasil.
ResponderExcluirTenho experiências de contato direto com o EJA porque enquanto criança minha mãe deu início aos estudos nessa modalidade, em seguida parou e hoje após quase 10 anos, ela retornou a escola, buscando certificação do Ensino Médio.
Acredito que a realidade da minha mãe é a mesma de muitas mulheres - conheço outras mulheres, inclusive da minha família, que passam por essa realidade - assim como você também aponta na sua explanação.
Hoje, adulta e professoranda em História passo a questionar os métodos educacionais utilizados pela EJA. Além dos conteúdos serem condensados - o que a meu ver não de todo um problema - vejo questões muito alheias a realidade dessas pessoas, no caso, mulheres. Aprender química, física e matemática mais elaborada acabam distanciando essas alunos, seja por falta de compreensão ou de darem valia a tal conhecimento.
Digo o mesmo para as humanas, que com uma Filosofia e História apresentam por vezes momentos muito distantes do cotidiano desses/as alunos/as e que não formando a conexão necessária entre presente e passado, tornam o ensino massante.
Nesse sentido, vejo a necessidade de adaptação dos conteúdos a própria realidade dos/as alunos/as. Por vezes ouvi minha mãe dizer que aprender sobre Grécia Antiga ou Roma de nada estaria acrescentando na vida dela.
Sinto que a História tem um papel muito importante na formação de senso crítico, e tratado-a de maneira puramente teórica e metódica, acaba por afastar esses/as alunos/as.
Nesse sentido, você já teve a oportunidade de analisar o material didático da EJA e perceber essa dicotomia entre a realidade do aluno e o conhecimento presente no livro? Você já teve alguma experiência positiva no sentido de inclusão de formas outras de ensinar na EJA?
Sendo essa uma temática rica, fica uma sugestão: enxergar através do olhar dos/as alunos/as - por entrevistas - como eles/as compreendem os saberes e fazeres dentro da sala de aula e qual a importância do que aprendem ali.
Emili Sabrina Ribeiro Silva
Olá Emili Sabrina. Gostei da sua sugestão. No que diz respeito a sua primeira pergunta: SIM. Já tive a oportunidade de analisar o material didático das turmas de EJA e concordo com você. Mas veja bem essa não é só uma realidade da EJA, a questão das disciplinas serem distantes da realidade do alunado é um problema mais amplo, desde o fundamental até o ensino superior. Na Universidade por exemplo, falo isto já tecendo uma crítica a nossa grade curricular de graduação, somos expostos muitas vezes à autores e assuntos que não temos meios de trabalhar na educação básica. Então isso deve ser repensado a nível mais estrutural da educação. Porém o que nós professores de História podemos fazer, é fazer a cada aula uma relação com o presente. Mostrando que em todos os assuntos há uma conexão com a realidade vivenciada por cada um deles. Com relação a experiências no ano de 2019 fui bolsista em um projeto que se chamava: Cinediversidade chega à noite: refletindo através dos marcadores sociais da diferença(gênero, raça, sexualidade, classe e geração) nas escolas públicas de Caxias-MA. E o resultado foi muito positivo pois através dos marcadores e dos filmes repassados fazer relações com a vivência dos jovens e adultos observando assim até uma participação maior deles em sala de aula, fazendo até relatos da vida pessoal deles. Espero ter sanado suas dúvidas, cordialmente ANTONIA STEPHANIE SILVA MOREIRA.
Excluir