Antonia Stephanie Silva Moreira e Jakson dos Santos Ribeiro


MULHERES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: INSERÇÃO E PERSPECTIVA NOS ESPAÇOS DE SABER-PODER



O conceito de alfabetização tem se modificado ao longo do tempo. “Com base nos diversos censos demográficos realizados no Brasil podem-se perceber alguns aspectos dessas alterações.” [SCHWARTZ, 2010, p.23]. Inclusive no modo de avaliação do nível de alfabetização dos indivíduos. Até 1940 era alfabetizada a pessoa que assinava seu nome, a partir de 1950 eram consideradas alfabetizadas as pessoas que sabiam ler e escrever um texto simples.

Na década de 1990 políticas públicas como a Bolsa Escola fomentaram o acesso da população à educação básica. No ensino superior, com a criação de programas como o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) e PROUNI (Programa Universidade para Todos) e com o aumento das universidades privadas, que ultrapassou em muito o número de alunos matriculados em relação a universidade pública, favoreceu especialmente as mulheres. [DOTTA, 2015, p. 09]

Desde o século XX estamos presenciando um avanço no que diz respeito à formação das mulheres. “No Brasil a educação de mulheres é fato recente e intenso. ” [PINSKY, 2013, p. 333]. Desde o primeiro censo de 1872 até o de 1950 os indícios de analfabetismo de mulheres eram vários pontos percentuais maiores que os dos homens. A inversão só foi detectada no início dos anos 1990. E de fato a educação feminina só se efetivou com a LDB em 1971 com a equivalência entre os cursos secundários.

Inicialmente é necessário apresentar uma contextualização acerca do público alvo das desigualdades sociais. A EJA, segundo dados do MEC, surge como uma modalidade de ensino responsável pela conclusão da educação básica de jovens e adultos que em seu período regular não tiveram a oportunidade de terminar os estudos e assim incluí-los socialmente de modo satisfatório. Pensando nisso reflete-se sobre algumas questões no tocante a continuidade dessa forma de ensino.

A EJA no Brasil, é marcada por sucessivos processos governamentais [ALMEIDA, 2015]. Mas em contrapartida, a maioria deles foi descontínuo o que ocasionalmente cristalizou a essa modalidade de ensino uma invisibilidade muito grande nos projetos públicos. Apesar dos jovens e adultos serem assegurados tanto pela LDB, quanto pela Constituição Federal, na prática vemos que a carência de políticas públicas destinada à EJA é muito grande.  O impedimento não é especificamente na oferta dessas vagas, mas, sim em mecanismos asseguradores da permanência desses alunos na sala de aula, haja vista muitos deles serem obrigados a escolher entre a educação ou a sobrevivência.

O processo histórico pelo qual a Educação de Jovens e Adultos passou, denuncia de certo modo o quão forte são as desigualdades sociais ao nosso redor. Trabalhadores e trabalhadoras obrigados a se contentarem em receber salários pequenos e ainda se submetem a condições de trabalhos extremamente exaustiva por conta do baixo índice educativo durante seu período regular é preocupante em nossa sociedade. [ARROYO, 2017]. A EJA é, ou pelo menos deveria ser, uma das modalidades de ensino que assegurasse essa possibilidade de conclusão do ensino aos jovens, adultos e até mesmo de idosos.

“A inserção no campo da Educação de Jovens e Adultos, na idade adulta, significa conciliar diferentes responsabilidades com as tarefas, horários e outras exigências escolares.” [EITERER, 2014, p.07] Em geral a jornada doméstica pesa mais sobre as mulheres, então retornar aos estudos se torna uma alternativa somente na EJA devido a grande quantidade de responsabilidades que as mesmas assumem ao longo de suas trajetórias.

 O programa educacional que mais possibilita a inserção de mulheres na educação é a Educação de Jovens e Adultos (EJA), e agora de Idosos, a qual é assegurada pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96. Esse modelo de educação possibilita que as mulheres que por diversos motivos tiveram que deixar de frequentar as salas de aula, como a necessidade de trabalhar desde a menoridade, a constituição da família que sobrecarrega ou a falta de transporte para o deslocamento até a escola, a retornarem para o âmbito escolar. [FERNANDES, 2016, p. 02]

As mulheres encontram na EJA uma oportunidade de terminarem seus estudos, devido ao horário noturno pois há a possibilidade de desempenhar outras atividades ao longo do dia. Mas isso nem sempre é garantia de permanência nas salas de aula, pois muitas vezes são proibidas por seus maridos, ou ainda precisam cuidar dos filhos entre outros motivos que fazem o nível de evasão das mulheres ser acentuado.

 “[...] Para a mulher que decide voltar a estudar, são várias as dificuldades enfrentadas entre a matrícula e a permanência nas aulas, ou seja, contar com o apoio do marido, parentes, filhos, patroas ou com a violência física e psicológica; luta solitária pela sobrevivência deixar de ser obediente ao marido e brigar pelo seu direito de estudar; assumir, no contexto profissional, a opção pelo estudo e enxergar que o marido não tem o direito de impedir que ela prossiga seus estudos. Sentar nos bancos escolares representa o nascimento de uma nova vida, valorizada e reconhecida, por ser alguém que adquiriu conhecimentos no contexto escolar.” [CAMARGO, 2014, p. 131]

O conhecimento é construído, produzido, selecionado e sendo assim não é neutro, dessa forma os próprios alunos de EJA são produtores de conhecimento também A identidade da educação de pessoas jovens e adultas vem dessa coexistência, encontro, confluência dessas identidades coletivas. [ARROYO, 2017, p.24]. Todos são atores do real vivido. Nossas memórias estão ligadas à grupos, desse modo a vida cotidiana também vai se fixando à memória. As memórias trazidas por mulheres para a sala de aula podem ser as mais diversas dependendo de sua vida cotidiana fora da escola.

 Nesse sentido, COSTA (2014), de igual modo afirma que, “Todavia, algumas vezes, essas memórias rompem com a realidade, convidando-nos a uma viagem pela imaginação, pelo mundo da subjetividade. Isso é natural quando se apreende que a lembrança não se configura como uma mera reprodução do fato; ela é, sobretudo, recriação do passado, é esperança de construção do novo.”

Conforme afirma [LOPES, 2019, p. 02], “É preciso que a sociedade compreenda que alunos de EJA vivenciam problemas como preconceito, vergonha, discriminação, críticas dentre tantos outros. E que tais questões são vivenciadas tanto no cotidiano familiar como na vida em comunidade.” Se formando assim uma teia onde o ambiente de convívio e os problemas pessoais do indivíduo afetam a educação como o inverso.

Mas essa é uma questão que vai além do debate sobre educação, perpassa também pela esfera do gênero, mais especificamente a desigualdade entre os gêneros. Nas palavras da historiadora Joan Scott “O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres.” [SCOTT, 1989, p.07]. Ou seja, gênero é caracterizado pela construção de atitudes e comportamentos em sociedade.

Isto é, a necessidade de cuidar dos filhos e da casa requer muito tempo das mulheres que muitas vezes são encarregadas desses serviços sozinhas. Então muitas vezes se veem sem opção e obviamente sem tempo para o retorno a escola. O retorno às escolas revela muitas coisas. Resistências, identidades, lutas por igualdades entre outros. “A volta à escola como passageiros da noite e do dia em itinerários pelo direito a um justo viver é uma firmação de coragem.” [ARROYO, 2017, p. 242]

“O ideário de que a educação de meninas e moças deveria ser mais restrita que a de meninos e rapazes em decorrência de sua saúde frágil, sua inteligência limitada e voltada para sua “missão” de mãe; o impedimento à continuidade dos estudos secundários e superior para as jovens brasileiras” [PINSKY, 2013, p. 334].

Isso reflete de certo modo no perfil social das mulheres que estão matriculadas nas turmas de EJA. Haja vista que muitas delas em sua juventude não tiveram oportunidades de concluir seus estudos.

Em 1879 com a Lei Leôncio de Carvalho as mulheres tiveram o direito de estudar em instituições brasileiras de ensino superior. De acordo com (PINSKY, 2013), algumas mulheres se destacaram no que se refere a inserção no ensino superior. Mas isso se deu depois de muito tempo de negação da educação formal as mulheres devido o imaginário da época ser voltado para a natureza corruptível da mulher, atrelado as crenças religiosas. Mulheres como Maria Augusta Generosa Estrela que foi a primeira brasileira a ter diploma de ensino superior, porém não foi em uma instituição brasileira. No ano de 1882 Maria se formou em Medicina nos Estados Unidos.

 Ainda de acordo com (PINSKY, 2013), Em 1887 a branca Rita Lobato graduou-se na faculdade de Medicina da Bahia. Apenas 39 anos depois uma negra conseguiu se graduar em nível superior no Brasil. Maria Rita de Andrade graduou-se portanto em Direito pela Faculdade de Direito da Bahia. Trata-se, porém, além do gênero feminino, é visível neste caso o preconceito estrutural e social com relação a cor do indivíduo. É deste modo uma barreira dupla, ser mulher e ser negra.

Maria das Dores de Oliveira, da etnia pankararu, obteve em 2006 o título de doutora pela Universidade Federal de Alagoas. Retoma-se aqui a afirmação inicial que “no Brasil a educação de mulheres é fato recente e intenso.” [PINSKY, 2013, p. 333]. Então por muito tempo pensou-se que partilhar de etnias indígenas foi sinônimo de retrocesso e marginalização. Então ter uma mulher indígena com doutoramento é um avanço significativo na educação de mulheres.

Podemos questionar a ideia de hierarquização, recordando que não há, em essência, trabalho que seja em si mesmo feminino ou masculino. As atribuições sociais estabeleceram esses lugares e podem ser alteradas. [Eiterer, 2014, p. 169] Ou seja, muito do que hoje se considera espaços femininos e masculinos são frutos de construções sociais, assim como o acesso à educação. Há estudos sobre a trajetória educacional das mulheres, isso se deve ao fato de que existem uma grande quantidade de mulheres formada em ciências humanas.

Aprendemos a ser homens ou mulheres pela ação da família, da escola, de instituições religiosas, grupos de amigos entre outros. Por isso que, Joan Scott coloca que, o “[...] gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres.” [SCOTT, 1989, p.07]. Ou seja, gênero é caracterizado pela construção de atitudes e comportamentos em sociedade.

Consoante a esse elemento, devemos também levar em consideração a categoria, classe, discutimos o sentido do processo histórico e como ela concebe a ideia da: má distribuição de renda e a forma como as pessoas são discriminadas no que se refere ao nível econômico dos indivíduos. A dificuldade de ascender socialmente é um dos motivos que ainda permeiam e solidificam a divisão das classes econômicas e desse modo muitas pessoas se sentem discriminadas por tal condição.

“O racismo e o sexismo que vêm da colônia reproduzem-se na república e são repostos na fraca, violenta democracia. Realismo e sexismo reafirmados nas estruturas de poder, de trabalho. De classe. [...]” [ARROYO, 2017, p.246]. No que se refere a classe para os alunos de EJA “Viver, [...] significa ter o que comer, ter um salário, ter uns trocados.” [ARROYO, 2017, p.57]. Quer dizer, em virtude das limitações econômicas se veem obrigados a largarem os estudos no período regular e agora na EJA pretendem retomar as atividades.

Referências
Jakson dos Santos Ribeiro – Professor Adjunto I, Doutor em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará (2018). Mestre em História Social pela Universidade Federal do Maranhão (2014). Especialista em História do Maranhão pelo IESF (Instituto de Ensino Superior Franciscano) (2011). Graduado no Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Maranhão (Centro de Estudos Superiores de Caxias-MA) (2011). Coordenador do Laboratório de Teatro do Centro de Estudos Superiores de Caxias – CESC – Campus/UEMA.
Antonia Stephanie Silva Moreira é graduanda em Licenciatura Plena em História, pelo Centro de Estudos Superiores de Caxias, da Universidade Estadual do Maranhão – CESC/UEMA.

ARROYO, Miguel. Passageiros da noite: do trabalho para a EJA: itinerários pelo direito a uma vida justa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
CAMARGO, Poliana da Silva Almeida Santos. Diversos olhares sobre a educação de jovens e adultos- EJA: uma revisão de literatura (1976-2004). UNICAMP, Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, vol.2, nº 3, 2014.
FERNANDES, Caroline Lins, et al.  A inserção da mulher na modalidade EJA. II CINTEDI. Centro de Convenções Raymundo Asfora. 16 a 18 de novembro de 2016. Campo Grande- PB.
PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. Nova História das mulheres no Brasil. - 1. ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013.
Eiterer, Carmem Lucia. Aspectos da escolarização de mulheres na EJA. PERSPECTIVA, Florianópolis, v. 32, n. 1, 161-180, jan./abr. 2014
LOPES, Selva Paraguassu; SOUZA, Luzia Silva. EJA: Uma Educação Possível ou MeraUtopia. CEREJA. Disponível em:
<http://www.cereja.org.br/pdf/revista_v/Revista_SelvaPLopes.pdf>. Acessado em: 02 de setembro de 2019.
SCHWARTZ, Suzana. Alfabetização de jovens e adultos: teoria e prática. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2010.

3 comentários:

  1. Olá, parabéns pelo texto de temática urgente no Brasil.
    Tenho experiências de contato direto com o EJA porque enquanto criança minha mãe deu início aos estudos nessa modalidade, em seguida parou e hoje após quase 10 anos, ela retornou a escola, buscando certificação do Ensino Médio.
    Acredito que a realidade da minha mãe é a mesma de muitas mulheres - conheço outras mulheres, inclusive da minha família, que passam por essa realidade - assim como você também aponta na sua explanação.
    Hoje, adulta e professoranda em História passo a questionar os métodos educacionais utilizados pela EJA. Além dos conteúdos serem condensados - o que a meu ver não de todo um problema - vejo questões muito alheias a realidade dessas pessoas, no caso, mulheres. Aprender química, física e matemática mais elaborada acabam distanciando essas alunos, seja por falta de compreensão ou de darem valia a tal conhecimento.
    Digo o mesmo para as humanas, que com uma Filosofia e História apresentam por vezes momentos muito distantes do cotidiano desses/as alunos/as e que não formando a conexão necessária entre presente e passado, tornam o ensino massante.
    Nesse sentido, vejo a necessidade de adaptação dos conteúdos a própria realidade dos/as alunos/as. Por vezes ouvi minha mãe dizer que aprender sobre Grécia Antiga ou Roma de nada estaria acrescentando na vida dela.
    Sinto que a História tem um papel muito importante na formação de senso crítico, e tratado-a de maneira puramente teórica e metódica, acaba por afastar esses/as alunos/as.
    Nesse sentido, você já teve a oportunidade de analisar o material didático da EJA e perceber essa dicotomia entre a realidade do aluno e o conhecimento presente no livro? Você já teve alguma experiência positiva no sentido de inclusão de formas outras de ensinar na EJA?
    Sendo essa uma temática rica, fica uma sugestão: enxergar através do olhar dos/as alunos/as - por entrevistas - como eles/as compreendem os saberes e fazeres dentro da sala de aula e qual a importância do que aprendem ali.

    Emili Sabrina Ribeiro Silva

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Emili Sabrina. Gostei da sua sugestão. No que diz respeito a sua primeira pergunta: SIM. Já tive a oportunidade de analisar o material didático das turmas de EJA e concordo com você. Mas veja bem essa não é só uma realidade da EJA, a questão das disciplinas serem distantes da realidade do alunado é um problema mais amplo, desde o fundamental até o ensino superior. Na Universidade por exemplo, falo isto já tecendo uma crítica a nossa grade curricular de graduação, somos expostos muitas vezes à autores e assuntos que não temos meios de trabalhar na educação básica. Então isso deve ser repensado a nível mais estrutural da educação. Porém o que nós professores de História podemos fazer, é fazer a cada aula uma relação com o presente. Mostrando que em todos os assuntos há uma conexão com a realidade vivenciada por cada um deles. Com relação a experiências no ano de 2019 fui bolsista em um projeto que se chamava: Cinediversidade chega à noite: refletindo através dos marcadores sociais da diferença(gênero, raça, sexualidade, classe e geração) nas escolas públicas de Caxias-MA. E o resultado foi muito positivo pois através dos marcadores e dos filmes repassados fazer relações com a vivência dos jovens e adultos observando assim até uma participação maior deles em sala de aula, fazendo até relatos da vida pessoal deles. Espero ter sanado suas dúvidas, cordialmente ANTONIA STEPHANIE SILVA MOREIRA.

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.