PRECISAMOS FALAR SOBRE
AIMEE: GÊNERO, SEXUALIDADE E SORORIDADE NO CURRICULO ESCOLAR
Chamava-se Aimee. Tinha dezesseis anos,
cabelos louros e ondulados, um corpo que chamava a atenção por suas curvas bem
delineadas. Estudava numa escola de ensino médio, e como tantas meninas de sua
idade, precisava pegar um ônibus coletivo para chegar até o local de seus
estudos. Deveria ter sido um dia como os demais se não fosse o aniversário de
sua melhor amiga. Acordou mais cedo que o comum, fez um bolo em formato de um
coelho com cobertura cor de rosa, para em forma de surpresa comemorar a vida de
sua amiga. Por viver num lugar frio, vestiu calça jeans, camisa de gola e
mangas longas e uma bota. Colocou a mochila nas costas e com as duas mãos
segurava o bolo. Ao adentrar o ônibus relativamente lotado, encostou-se numa
daquelas barras de ferro buscando apoio para equilibrar seu corpo e não
derrubar o bolo. Um pouco mais atrás estava um homem jovem, branco, de olhos
azuis, cabelos claros e lisos. Com a chegada de mais pessoas no coletivo, o
homem aproximou seu corpo ao corpo de Aimee. E observou-o atentamente com o
olhar de desejo. Sussurrou algo como “gostosa”. Abriu o zíper de sua calça, colocou
o pênis para fora e se masturbou, ejaculando rapidamente na calça da
adolescente. Ela gritou anunciando o assédio. As pessoas nada fizeram a não ser
ignorar. Aimee desceu do ônibus e seguiu para a escola a pé, com o bolo nas
mãos e a calça melada como carimbo do assédio sexual que havia sofrido.
Ao chegar na escola, encontrou Maeve, sua
amiga. Ofertou-lhe o bolo como forma de parabéns e pediu ajuda para limpar-se
pois um homem havia ejaculado em sua calça dentro do ônibus. Indignada com o
que ouvia, falou da importância de ir até a delegacia registrar um boletim de
ocorrência. Para sua surpresa, a jovem assediada afirmou que não era
necessário, pois “[...] homens faziam isso com as mulheres” e que “[...] ele
devia estar carente”. Apesar da alegação, Maeve insistiu e juntas rumaram até a
delegacia. Junto à polícia, registraram o ocorrido e ficaram impressionadas com
o relato da quantidade de casos de mulheres que lá chegavam com as mesmas
descrições. Mais chocadas ainda ficaram com a notícia de que era muito difícil
encontrar os agressores, fazendo com que a maioria desses casos não possuísse
uma punição.
A história de Aimee, contada ao expectador no
terceiro episódio da segunda temporada da série Sex Education - série britânica
de comédia dramática, criada por Laurie Nunn, que estreou em janeiro de 2019 na
Netflix -, impressiona de imediato por duas características: a naturalização do
assédio sexual como sendo algo comum, provocado pelo instinto masculino e/ou
pela carência; e a referência à falta de resolução nos casos de violência
sexual cometidos contra mulheres. O primeiro discurso de Aimee revela não
apenas a naturalização, mas uma educação doméstica e escolar no sentido de
obedecer, para ser submissa ao homem, de que as ações do homem sobre o corpo da
mulher são “normais”. É possível inferir que Aimee, assim como tantas
adolescentes brasileiras, cresceu vendo suas mães serem vítimas de abuso por
parte de seus maridos e companheiros, bem como, receberam dentro de casa a
orientação de que seu corpo pertencia ao outro gênero, que deveria ser
objetificado, coisificado.
Apontamos aqui a existência de uma cultura do
assédio legitimada na maioria das vezes pelas instituições educativas (família,
escola, igrejas, etc.). Não que essas instituições ensinem e incentivem o
assédio sexual, mas porque elas evitam combater determinados temas para não
ferir a moral masculina, historicamente construída e engessada como estrutura
vital da sociedade brasileira. Homens governam a família, gerem os poderes
públicos, representam a população, são os provedores das casas, o “cabeça” da
relação. Ao colocá-los nesses espaços, marginalizou-se o lugar reservado às
mulheres.
No Brasil, desde o período colonial, o corpo
feminino foi violentado fisicamente e sexualmente. De acordo com Lilia Schwarcz
(2019, p. 190), mulheres indígenas e negras foram consideradas produtoras de
riquezas, pois eram utilizadas na agricultura, na casa-grande, nas cidades e na
mineração, e ainda serviam a seus proprietários como instrumento de prazer e
gozo. A prática da cultura do assédio e da violência não ficou restrita à
colonização. Ali ganhou raízes bastante profundas, sendo capaz de sustentar a
maldição do machismo que tanto provoca traumas em pleno século XXI. Dessa
forma, o silêncio de Aimee pode ser entendido não apenas como a naturalização
do abuso sexual, como também por uma cultura do medo: medo se ser apontada como
a estuprada, a mulher fácil, de ficar conhecida como aquela que mereceu o abuso
por conta dos atributos físicos de seu corpo, medo de contrariar o modelo
machista de família na qual esteve historicamente enredada.
Quanto ao segundo dado, sobre a dificuldade
de localizar e punir homens que violentam sexualmente mulheres, dá-se não
apenas pelo medo das mulheres em formalizar a denúncia, mas por ser um crime
que muitas vezes não deixa rastros, além claro, daqueles causados fisicamente e
psicologicamente às vítimas. O assediador se perde na multidão, pode ser
qualquer um. Sua cor de pele ou classe social não o define. Conforme descrição
acima, o homem que abusou da adolescente dentro do ônibus era branco, dono de
porte atlético, cabelos louros e olhos azuis. Rompe-se assim o estigma de que
os crimes sexuais eram cometidos por negros e pobres.
Na maioria dos casos de assédio sexual o que
fica é o registro. Lilia Schwarcz (2019, p. 191) apresenta dados sobre o
assédio sexual no Brasil: 88% das vítimas de assédio são do sexo feminino, 70%
são crianças e adolescentes (como no caso de Aimee), 46% não tem ensino
fundamental completo, e 51% são de cor parda ou preta. Lilia Schwarcz (2019)
ressalta ainda que 24% das notificações apontam como agressores o próprio pai
ou padrasto, 32% dos casos são praticados por amigos ou conhecidos da vítima, e
muitos desses atos são cometidos por duas ou mais pessoas. Só na cidade de São
Paulo, por exemplo, foram registrados quatro casos de assédio sexual por semana
no ano de 2016, dentro do metrô paulistano. Uma realidade que já sabemos de
onde herdamos. Nos resta refletir sobre as razões que nos levam a silenciar nas
instituições educativas sobre as formas de resistência ao machismo e as formas
de dominação que relegam mulheres à coisificação. Não cabe às famílias e às
escolas apenas mostrar como homens se apropriaram do corpo feminino e dele
fazem uso para seu exercício de poder. Faz-se urgente educar para a liberdade
no sentido de respeitar o corpo do outro, de entender que a mulher não é
propriedade privada de alguém, de que elas possuem os mesmos direitos dos
homens e que seus corpos não são mais o lugar de despejo do gozo masculino. As
famílias e as escolas precisam ensinar seus filhos e alunos que “não é não”.
Que o corpo do outro só pode ser tocado quando se tem autorização e pode trazer
respeito e prazer para os envolvidos. Precisamos, assim, incluir em nosso
currículo as discussões de gênero.
Tais debates não se realizavam nem na casa e
nem na escola de Aimee. As conversas com sua amiga Maeve e os relatos ouvidos
na delegacia abriram seus olhos para a realidade da cultura do assédio e para o
fato de que havia sido vítima de violência sexual. Após o fato, o trauma foi
aos poucos se instalando. Todos os dias pela manhã, saía de casa para o ponto
do ônibus. Ao se deparar com o transporte parado à sua frente e com as portas
abertas, a adolescente relembrava o assédio sofrido. Como saltos de
luminosidade, a memória trazia à lembrança o rapaz branco se masturbando sobre
sua perna. Aimee não conseguia mais entrar no ônibus. Passou a ir a pé para a
escola. Andava cerca de cinco quilômetros a pé. O trauma não mais permitia que
ela adentrasse no transporte público. Nos corredores da escola, Aimee passou a
se deparar com rapazes brancos e fortes. Nessas situações, parecia ver o rosto
do homem que a violentou. Ao encontrar o seu namorado, teve a mesma reação:
passou a rejeitá-lo porque em sua cabeça, passaria novamente pelo abuso sexual.
A vida de Aimee tornou-se sem graça. Ela agora era vítima do trauma sofrido:
imaginava situações que lhe causavam pavor, evitava roupas que definiam seu
corpo, não mais conseguia chegar perto de amigos do gênero masculino, chorava
pelos cantos.
Passados alguns dias, um grupo de cinco
meninas que fazia parte do grupo de leitura e literatura foram desafiadas pela
professora a pensar em algo que tinham em comum. Enquanto cada uma pensava na
roupa, nas viagens, na cor do batom, nos namorados, Aimee chorava silenciosa.
Com o desenrolar da cena, as meninas começaram a discutir em voz alta sobre o
que era prioridade na vida de cada uma delas. Foi nesse instante, por não mais
suportar a dor do silêncio em que se aprisionou, enquanto as amigas discutiam
futilidades, que Aimee gritou. Todas a olharam e notaram seu choro. A
adolescente olhava para sua calça jeans e lembrava do assédio sofrido e alegou
que não conseguia mais entrar no ônibus para ir à escola.
Nesse instante, as jovens do ensino médio,
envolvidas na cena, perceberam que de alguma forma já haviam sofrido algum tipo
de abuso. Uma das moças, contou que “[...] fui apalpada na estação de trem
quando ia a um show na cidade. Um grupo de caras passou e um deles pegou no meu
peito”; outra afirmou que garotos a assediaram e que uma mulher ao ver a cena,
alegou que a jovem tinha culpa porque o short que ela vestia era muito curto; a
terceira afirmou que quando era criança costumava ir à piscina, e numa dessas
vezes ao mergulhar percebeu que um homem mais velho estava balançando o pênis
na direção dela. Saiu correndo da piscina, contou à sua mãe que não mais a
deixou voltar ao banho; a outra contou que gostava de entrar em chats, mas
começou a criar pavor, pois só recebia imagens de pênis de todos os tamanhos e
formas; a quinta garota, narrou que ao voltar para casa foi seguida por um
homem e que não foi violentada porque conseguiu chegar em casa e seu pai a
esperava à porta. Estava esclarecido o que todas possuíam em comum: tinha sido
vítimas da cultura do assédio.
Além do fato das adolescentes tomarem
consciência de que tinham sido violentadas ao menos uma vez na vida antes de
atingir a maior idade, se deram conta que aprenderam a se cuidar e a falar
sobre o tema, sentindo na pele a dor do fato ocorrido. Elas, assim como
milhares de meninas, não debateram tais questões nem em família e nem na
escola. A cena pareceu soar como uma crítica à escola e ao currículo escolar.
Por mais irônico que pareça, as jovens conversavam sobre a cultura do assédio e
sobre o cuidar umas das outras sem a presença de um professor e sem o tema ser
pauta do conteúdo escolar. Por essa razão, precisamos falar sobre Aimee! Ou
melhor, precisamos falar sobre gênero, sobre sexualidade, sobre sororidade,
sobre empoderamento feminino, sobre feminismo.
O movimento feminista empreendeu ao longo das
últimas décadas significativos avanços que culminaram com a reivindicação de
espaços para as mulheres, antes majoritariamente masculinos, e representou a
luta pela conquista de direitos contra a violência sofrida por elas, culminando
com a Lei Maria da Penha. Significou o exercício da sororidade, ou seja, o
cuidado entre as mulheres, o dar as mãos umas às outras, o “mexeu com uma,
mexeu com todas”. O movimento feminista, segundo Guacira Lopes Louro (2018, p.
53), colocou o corpo da mulher na pauta da discussão: investiu na “[...]
possibilidade de usar o corpo e de viver a sexualidade com autonomia”, ou seja,
os estudos que colocaram a mulher ou as relações de gênero no centro das
preocupações, sempre implicaram, direta ou indiretamente, questões sobre a
sexualidade. Apesar dos avanços, o movimento feminista ainda não conseguiu
assegurar a presença dessa discussão em sala de aula. Debates sobre gênero,
sexualidade, feminicídio... não foram ainda contemplados pelo currículo
escolar.
Por exemplo, o único momento em que a palavra
gênero aparece na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da disciplina de
História das séries finais do Ensino Fundamental, é no fim do conteúdo
reservado à turma do nono ano. O tema da aula é: “Modernização, ditadura
civil-militar e redemocratização: o Brasil após 1946” que tem por objetivo
estudar o “[...] processo de redemocratização, a Constituição de 1988 [...] o
protagonismo da sociedade civil e as alterações do sociedade brasileira, a
questão da violência [...]”. Dessa forma, exige-se do professor as habilidades
de lidar com reconhecimento dos:
“[...] diferentes agentes ou atores sociais
que protagonizaram formas de associativismo na sociedade civil de 1989 aos dias
atuais. A partir de 1990, os movimentos sociais populares de agendas diversas
(de igualdade racial, igualdade de gênero, das pessoas com deficiência, dos
sem-teto, sem-terra, em defesa dos índios etc.) se organizaram de forma mais
institucional, ganhando maior visibilidade e atuação social” (BNCC, 2019.
Grifos nossos).
Deixa a cargo do professor decidir sobre o
trato do tema em sala de aula. As questões sobre igualdade de gênero são
apontadas pelo currículo apenas como uma dentre diversas outras possibilidades
da atuação social do país a partir de 1946. Acreditamos ser um recorte temporal
e uma diversidade temática bastante ampla para um único conteúdo, abordado em
três ou quatro aulas do nono ano. Dentre o leque de possibilidades temáticas -
igualdade racial, pessoas com deficiência, indígenas, moradores de rua -,
aparece muito sutilmente a indicação da possibilidade do debate de “igualdade
de gênero”, sem especificar se a discussão deve ser feita entre o campo de luta
do masculino e do feminino, ou do heterossexual e do homossexual. Além de se
configurar enquanto um problema de ausência de tão importante tema para os
alunos desde o ensino fundamental. O currículo deixa a cargo do professor, que
poderá ou não se valer dá ideia do “currículo oculto” para problematizar o
assunto em sala de aula.
Outro problema que podemos apontar, é o fato
de o professor não querer discutir o tema, seja pela falta de conhecimento,
seja por preconceito, seja por questões religiosas, ou mesmo pela proibição
legal de se discutir gênero – é importante lembrar que alguns municípios
brasileiros aprovaram a lei da ideologia de gênero, que proíbe o debate de
gênero nas escolas públicas.
Quando o assunto é gênero, tema tão importante
para se pensar os lugares e identidades constituídas, não se há nenhuma
garantia de efetivação: primeiro porque o currículo oficial não normalizou sua
obrigatoriedade em forma de lei; segundo porque precisamos contar com a
sensibilidade dos professores de história para realizar o debate. No fim das
contas, parece que a escola e a sociedade de forma geral tem consciência da
importância do tema, mas por questões “morais e religiosas” acabam por condenar
o assunto. Parece haver uma consciência da necessidade de falar sobre tantas
Aimees que existem nas escolas desse país, mas prefere-se silenciar. Por outro
lado, não podemos perder a esperança. Ainda existem docentes empenhados em
assegurar – como forma de resistência – a discussão em sala de aula. Para
alguns, gênero é conteúdo obrigatório, é presença registrada no seu currículo;
para outros, espera-se a demanda, são aqueles que optam por, a partir de algum
problema ocorrido na escola ou na comunidade, para então realizarem o debate em
sala de aula. O fato é: precisamos falar sobre Aimee!
Precisamos, como chamou atenção Guacira Lopes
Louro (2018, p. 59), “estranhar o currículo”. Desconfiar do currículo como ele
se apresenta, tratá-lo não de modo usual. Precisamos desconsertar ou
transtornar o currículo. Colocá-lo de ponta-cabeça, revirá-lo ao avesso,
“passar dos limites”. Fazer como indicou Durval Muniz Albuquerque Júnior
(2010): deformar o currículo, fazê-lo diferente, respeitar a alteridade,
problematizar os sentimentos, atribuir outros sentidos à escola, exumá-la da
repetição, do metodismo, da ausência de tesão, do lugar da obrigação. Ou ainda
nas palavras de Azemar Soares Júnior (2019, p. 171), ao alegar que o currículo
de História precisa “fazer sentido” para o nosso aluno, precisa-se encontrar no
currículo, muitas vezes engessado, formas de burla, táticas diferenciadas de
debate, exposição daquilo que se pensa. Ou seja: o docente engajado com a
realidade social em que vivemos deve “[...] passar dos limites, atravessar-se,
desconfiar do que está posto e olhar de mau jeito o que está posto; colocar em
situações embaraçosas o que há de estável naquele ‘corpo de conhecimentos’”
(LOURO, 2018, p. 60). O professor pode orientar sua prática no enfrentamento
das condições em que se deu historicamente o conhecimento em sala de aula do
ensino básico.
Enquanto a escola não se encarrega de
normalizar o debate de gênero em seu currículo obrigatório, contamos com a
sensibilidade e compromisso social dos professores. Enquanto a escola não
discute o tema, as meninas acabam por aprender formas de cuidar de si e uma das
outras, através das dores marcadas em seus corpos e suas mentes pela cultura do
assédio. O que a escola fez diante da violência sofrida por Aimee? Nada. Porém,
suas amigas, que também já sentiram na pele as marcas desse tipo de violência,
acordaram mais cedo que Aimee e rumaram até o local da espera do ônibus que a
levaria à escola. Ao chegar no ponto de espera, Aimee se deparou com suas cinco
colegas de escola. Espantada, perguntou “O que vocês estão fazendo aqui?”.
Maeve respondeu em nome do grupo: “Pegando o ônibus. Todas nós vamos pegar. É
só um ônibus”. Prática de sororidade, como pode ser vista na imagem que fecha
esse texto:
Fonte: Sex Education (2020)
Referências
Azemar dos Santos Soares Júnior é professor
do Departamento de Práticas Educacionais e Currículo (DPEC/UFRN) e dos
Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGEd/UFRN) e História (PPGH/UFCG).
Graduado em História (UEPB) e Doutor em Educação (UFPB)
Guilherme Lima de Arruda é professor de Educação
Básica no município de Esperança (PB). Atualmente é mestrando pelo Programa de
Pós-Graduação em História (PPGH/UFCG).
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Por um
ensino que deforme: o docente na pós-modernidade, 2010. Disponível em:
www.cnslpb.com.br
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho. Belo
Horizonte: Autêntica, 2018.
SEX EDUCATION. Laurie Nunn. Produção de Jon
Jennings. Inglaterra: Netflix, 2020.
SOARES JUNIOR, Azemar dos Santos. Ensino de
História e sensibilidade: o ver, o ouvir e o imaginar nas aulas de história.
In: História & Ensino. Londrina, jul./dez, p. 167-190, 2019.
SCHWARCZ, Lilia. Sobre o autoritarismo
brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
Azemar e Guilherme meus parabéns pela a escrita desse trabalho que trata de uma tema tão necessário a ser discutido em sala aula com os alunos. Todavia, existe vários movimentos de órgãos que deveriam incentivar a ampla discussão desse tema, mas na verdade busca cercear os educadores com leis ou com intimidações. Tratar as discussões de gênero nas escolas é de suma importância para construímos novas mentalidades no adulto de amanhã que coibirão as práticas de feminicídios e de homofobia tão comuns em nossa sociedade. Enfim, na opinião de vocês como podemos abordar esse assunto em sala de aula em tempos de polarização política e demonização dessa temática?
ResponderExcluirRonyone de Araújo jeronimo
Olá Ronyone, muito obrigado por sua leitura e comentário! O tema deve ser discutido sim em sala de aula de forma urgente. As vezes o tema surge como uma demanda da própria turma, quando eclode algum tipo de abuso sexual seja com os alunos, seja com parentes ou pessoas conhecidas. Quando não surge uma demanda, o professor deve ter a sensibilidade de abordar o assunto, sendo possível a partir do próprio conteúdo. Ao estudar a história das mulheres, sabemos que podemos dar inúmeros direcionamentos. Assim, o docente pode contribuir com a formação de um cidadão educado através da pedagogia da sensibilidade, do respeito, da diferença, da alteridade.
ExcluirBom dia!Embora a BNCC não seja currículo, mas um direcionamento de como eles devem ser feitos ou readequados é possível dizer que faltou nela uma definição maior quanto à necessidade da discussão sobre os estudos de gênero nos currículos da Educação Básica?
ResponderExcluirOlá Hélio, obrigado pela pergunta! Quando existe um documento formal que normaliza o ensino, podemos afirmar sim que trata-se de um currículo oficial. Especialmente se levarmos em consideração a produção de material didático (vide PNPD), que produzem livros a partir desse currículo imposto. Vivemos no Brasil um momento conservador. Assim, diversos temas de grande importância para discutir a sociedade brasileira ainda são negligenciados. Ao observar a BNCC de História, percebera que o currículo continua contendo em maioria uma história europeia, branca e masculina. O ensino parece ainda seguir o modelo da escola que foi construída para a elite. Continuamos a estudar a história das elites. E isso precisa ser rompido. Daí a necessidade de falarmos sobre tantas "Aimee's".
ExcluirAzemar dos Santos Soares Júnior.
Olá, adorei o texto, parabéns Azemar e Guilherme! Eu concordo com a urgência em se discutir sobre a questão da violência sexual, assunto que ainda permanece um tabu e acredito que a escola seja um espaço fundamental para esse tipo de discussão. Além disso, Sex Education é uma das minhas séries favoritas, então fiquei muito feliz com a referência. Nesse sentido, a minha pergunta é se daria para trazer essa série para a sala de aula na Educação Básica, pelo menos trechos, ou se por causa da faixa etária, isso complica as coisas e pode trazer problemas?
ResponderExcluirOlá Vitória, obrigado pela leitura e pergunta! Não vejo problemas em utilizar trechos da série em sala de aula (Em turmas do segundo segmento do Ensino Fundamental ou Médio). Acho que o professor precisa aproveitar bem a aula. A cena descrita no texto, em especial a que as colegas vão ao ponto do ônibus ajudar Aimee, pode ser trabalhada para discutir sororidade. Vivemos um momento em que as mulheres passaram a se defender, a se ajudar. Isso se deu, claro, devido ao debate implementado historicamente pelo movimento feminista. Claro que a cena precisa ser contextualizada. Não se preocupe, tudo que tem na cena - me refiro a sexualidade -, os alunos sabem e muitos deles fazem, de forma desprotegida. Daí, sobretudo, a necessidade de realizar o debate.
ExcluirÓtimo texto! Discussão excelente e necessária!
ResponderExcluirTrabalhar questões de gênero na escola tem sido um grande desafio. É um exercício de resistência mesmo. Precisamos usar o currículo praticado, é o fazer pedagógico que fará a diferença. No entanto, como poderíamos trabalhar os conteúdos específicos de História de forma a desnaturalizarmos os abusos como os relatados por Aimée e suas amigas?
Janaina Jaskiu
Olá Janaína, obrigado pela leitura do texto!
ExcluirUma forma de "desnaturalizar" é levar para sala de aula esses exemplos e discutir conceitos como violência, identidade, gênero e diferença, por exemplo. Acredito que o professor que leva essas palavras para a sala de aula, e faz uma consulta prévia aos alunos sobre o que eles sabem e entendem, você estará possibilitando os alunos a levarem relatos vistos (em séries como posto no texto, em filmes, em novelas, etc.), ou vividos (sofridos por si ou por alguém próximo). A maioria das vítimas de abuso sexual e violência de gênero são cometidas dentro de casa. Dê a voz a seus alunos. Você terá excelentes experiências!
Azemar dos Santos Soares Júnior
Prezados Azemar e Guilherme, parabenizo pela reflexão aqui apresentada, tanto na forma como na relevância de seu conteúdo. Esse debate tem sido muitas vezes negligenciado no Ensino Médio, tanto que virou uma demanda dos próprios alunos. Comecei esse ano letivo com um pedido de socorro de alunas que reclamavam do assédio constante. Gostaria que comentassem sobre estratégias de “deformar os currículos”. A escola acabou assumindo um papel de educadora sexual, sem maturidade para fazê-lo. Que medidas a curto prazo podemos adotar para verticalizar essa discussão?
ResponderExcluirAna Cristina Pereira Lima
Olá Ana, obrigado por seu comentário. O seu relato é mais comum do que se imagina. Nós, professores, especialmente aqueles que estão em sala de aula do ensino básico, lidam diariamente com circunstâncias como a relatada por você. Acredito que a primeira forma de "deformar o currículo" é fugir da imposição tradicional colocada pelo próprio currículo. Não digo a ponto de negligencia-lo. Mas romper com o modelo tradicional de ensinar apenas o que é determinado. Segundo, encontrar formas de fazer o nosso aluno falar, de ser protagonista, de aprender com os exemplos e com aqueles saberes que podem ser trazidos e construídos em sala de aula. Terceiro, e tão importante quando todos os outros: se atualizar! O professor precisa estar em constante atualização do conhecimento, das tecnologias, da subjetividade. Não faz mais sentido um professor que não valorize aquilo que os alunos mais usam para se comunicar, para se informar e também para reproduzir formas de violência. O professor precisa estar atento as demandas. A vida dos alunos, suas histórias individuais, podem ser a melhor aula de História da vida deles!
ExcluirAzemar dos Santos Soares Júnior.
Prezados autores, parabéns pelo texto! Gostei muito da forma como expuseram o tema a partir de uma série atual e de fácil acesso aos adolescentes. Concordo com a urgência de se tratar o assunto nas escolas.
ResponderExcluirComo bem exposto no texto, há uma ausência no tratamento deste tema. Temas como gênero, sexualidade e feminicídio, ainda não foram contemplados pelo currículo escolar; apenas como uma possibilidade, entre vários conteúdos, que pode-se trabalhar em 4 aulas do 9º ano.
Ademais, considerando os desafios, como a mencionada lei da "ideologia de gênero", a naturalização de abusos e o evidente tabu. Como pode-se abordar a educação sexual, o gênero e o tema sensível do abuso sexual em aulas de História? É possível relacioná-los com temas históricos? Se sim, quais - além do já citado período colonial?
Att. Nathália Santos Pezzi
Olá Nathália, obrigado pela sua leitura atenta. Esse texto foi escrito por mim e por Guilherme pensando exatamente da necessidade de falar sobre tantas "Aimee" que existem Brasil afora! Sua pergunta é muito pertinente. Quando discutimos em sala de aula qualquer que seja o assunto, independente do período histórico, precisamos chamar atenção para temas como violência. Devemos pensar que a violência não é apenas física, mas também psicológica, simbólicas. No Império Brasileiro pensar a condição das mulheres; na dita Primeira República discutir as lutas por direitos, o surgimento do movimento feminista...
ExcluirAzemar dos Santos Soares Júnior
Hoje mesmo a caminho da casa da minha avó, tive uma conversa com meu padrinho sobre como o mundo é um lugar difícil para as mulheres, não estou dizendo que os homens não tenham também dificuldades e obstáculos em seus caminhos, más que para as mulheres geralmente é mais difícil. Todas as mulheres em algum momento da vida já foi vítima de algum tipo de assédio, esse tipo de situação não é normal, más a sociedade ainda não trata da forma que as vítimas gostariam que fosse tratado, más sim é quase que silenciado, tratado não como um crime, más simplesmente um ato de “Natureza” do homem.
ResponderExcluirAtt. Isabeli Caroline Dias Ferreira
Olá Isabeli, obrigado pela sua leitura e comentário. Infelizmente nossa sociedade carrega uma forte herança patriarcal, machista e autoritária. É comum nos depararmos com relatos, especialmente no que diz respeito a essa "natureza do homem" que de natural não tem nada. As construções sociais levaram esse homem a esse lugar de poder e cristalizou esse comportamento de tal maneira que chega a ser naturalizado. Acredito que o caminho para desconstruir esse maneira de vivermos em sociedade é problematizando como estamos fazendo nesse espaço de diálogo. Ser machista, misógino, desrespeitoso não é natural...
ExcluirGuilherme Lima de Arruda
Olá Isabeli, obrigado pela sua leitura e comentário. Infelizmente nossa sociedade carrega uma forte herança patriarcal, machista e autoritária. É comum nos depararmos com relatos, especialmente no que diz respeito a essa "natureza do homem" que de natural não tem nada. As construções sociais levaram esse homem a esse lugar de poder e cristalizou esse comportamento de tal maneira que chega a ser naturalizado. Acredito que o caminho para desconstruir esse maneira de vivermos em sociedade é problematizando como estamos fazendo nesse espaço de diálogo. Ser machista, misógino, desrespeitoso não é natural...
ExcluirGuilherme Lima de Arruda
Boa noite! Tive que enviar a pergunta novamente porque não assinei logo abaixo dela.
ResponderExcluirEmbora a BNCC não seja currículo, mas um direcionamento de como eles devem ser feitos ou readequados é possível dizer que faltou nela uma definição maior quanto à necessidade da discussão sobre os estudos de gênero nos currículos da Educação Básica?
HÉLIO SECRETÁRIO DOS SANTOS
Olá Hélio, obrigado pela pergunta! Conforme Azemar dos Santos Soares Júnior já havia respondido acima. Quando existe um documento formal que normaliza o ensino, podemos afirmar sim que trata-se de um currículo oficial. Especialmente se levarmos em consideração a produção de material didático (vide PNPD), que produzem livros a partir desse currículo imposto. Vivemos no Brasil um momento conservador. Assim, diversos temas de grande importância para discutir a sociedade brasileira ainda são negligenciados. Ao observar a BNCC de História, percebera que o currículo continua contendo em maioria uma história europeia, branca e masculina. O ensino parece ainda seguir o modelo da escola que foi construída para a elite. Continuamos a estudar a história das elites. E isso precisa ser rompido. Daí a necessidade de falarmos sobre tantas "Aimee's".
ExcluirGuilherme Lima de Arruda.