Bruno Silva de Oliveira e Manuela Aguiar Damião de Araújo


PROBLEMAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE NO ESPAÇO ESCOLAR: A TRAVESTI NEGRA NA SÉRIE TELEVISIVA SEGUNDA CHAMADA


                  
Em 1976 o filósofo francês Michael Foucault, ao publicar História da sexualidade – a vontade de saber, nos mostrou que o sexo passou a ser uma produção de discurso a partir do século XVI, por meio de diversos mecanismos enunciativos (2006, p. 19). Ou seja, gênero e sexualidade é um dispositivo mais discutido do que imaginamos quando nos dispomos a analisar as diversas instituições, mecanismos e práticas discursivas que não somente incitam, mas, que também, proíbem. Partindo disso, este trabalho irá abordar o espaço escolar e a personagem Natacha, a partir série Segunda Chamada (produzida pela Rede Globo, 2019, tendo sido escrita por Carla Faour, Julia Spadaccini e Joana Jabaci, na direção artística), enquanto enunciados discursivos sobre gênero e sexualidade, bem como violências mencionadas na produção televisiva, as quais são submetidas os corpos LGBTQI+ (por mais que seja escassa menções diretas a esse grupo). Para a discussão faremos uso dos conceitos de representatividade, o qual discuti Silvio Almeida (2010), e arquitetura escolar, abordado por Agustín Escolano (2001).

Ambientada na Escola Estadual Carolina Maria de Jesus, numa comunidade periférica, a série retrata diversos dilemas e situações dentro deste espaço, sempre com ênfase nas ações de seus agentes; sejam os professores, que possuem papeis fundamentais nas narrativas; sejam os alunos que vivenciam todo o drama cotidiano de viver em regiões socialmente marginalizadas. A trama é complexa e diversificada, principalmente no que se refere à frágil situação em que os professores são submetidos a um sistema de ensino deficitário e com falta de investimentos; seja na infraestrutura escolar, na remuneração dos profissionais da educação e em medidas que auxiliem na permanência dos alunos na escola.  A série aborda um leque amplo de situações as quais lidamos cotidianamente na escola e com a comunidade entorno a partir de representações por meio da referida produção televisiva.

Quando pensarmos de que formas e em que espaços, nos dias atuais, tem-se discutido e problematizado sobre gênero e sexualidade se faz importante discorrer sobre discursos políticos no Brasil. É do vereador Pimentel Filho (PSD), da cidade de Campina Grande – PB, o projeto de lei que proíbe qualquer conteúdo, do que seria chamado de “ideologia de gênero”, de ser discutido em escolas públicas e privadas. Sancionada em 2018, pelo então prefeito Romero Rodrigues (PSDB); o qual anunciou em vídeo o apoio ao projeto da Câmara dos Vereadores justificando manter boas relações com a mesma e valores religiosos, a lei nº6.950 esclarecia que:

“[...] coloca a família como ‘elemento natural e fundamental da sociedade’ [...] considera ‘material impróprio ou inadequado para crianças e para adolescentes’ aqueles [...] que ‘contenham imagens ou mensagens sexuais com conotação intencionalmente erótica, obscena ou pornográfica, material relacionado a ideologia de gênero’.
[...] esclarece, ainda, que ‘os materiais didáticos, para didáticos, cartilhas ou qualquer outro tipo de material escolar, destinados ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios ou narrativas de qualquer espécie de bebidas alcoólicas, tabaco, ou qualquer objeto ou atividade impróprio para consumo ou execução direta pela própria criança ou pelo próprio adolescente, devendo respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família (G1, 10/07/2018).”

O projeto de lei faz parte de uma discussão presente no Brasil atualmente, em defesa da moral, dos bons costumes, de valores tradicionais, conservadores e religiosos que condenam a comunidade LGBTQI+. O que se costuma ouvir é que a referida comunidade estaria impondo uma “ideologia de gênero”, a qual transformaria jovens e adolescentes em gays. Esta mesma comunidade estaria destruindo a família tradicional, ou seja, seria um ataque à heterossexualidade, conforme disse Marco Feliciano, então Deputado Federal durante entrevista para o documentário Explorer investigation – Intolerância LGBTQI+, produzido pela National Geographic, em 2018. O discurso LGBTfobico não se limita ao projeto de lei discutido na referida cidade.

Em 2019, durante a X Bienal do Livro que ocorria na cidade do Rio de Janeiro – RJ, o então prefeito Marcelo Crivella mobilizou-se para que um quadrinho da Marvel, o qual continha personagens gays, fosse retirado do evento e que outros materiais com conteúdo semelhante fossem censurados para que o público jovem não tivesse contato. Esses materiais deveriam serem comercializados em embalagens lacradas e com advertência acerca de seu conteúdo. O caso teve grande repercussão nacional resultando em diversas manifestações, tanto nas redes sociais como também no próprio evento. A argumentação era a mesma; defesa da moral, dos bons costumes, de valores tradicionais, conservadores e religiosos que condenam a comunidade LGBTQI+.

Apesar do que possa parecer, a discussão sobre gênero e sexualidade, não necessariamente, quer dizer que será pautado o leque de gêneros e sexualidades existentes. Para além disso, a proposta que se discuta tais questões visa abarcar assuntos como feminismo, machismo, assédio sexual, violência doméstica e várias outras questões políticas, econômicas, sociais e culturais que perpassam o nosso cotidiano. Entretanto, as formas discursivas para abordar gênero e sexualidade na escola não se limitam ao discurso verbalizado já que os enunciados discursivos são empregados através da arquitetura escolar e as representações através de mídias, como é o caso da série Segunda Chamada. Gênero e sexualidade é discutido bem mais do que parece.

Problemas de representatividade nas telas: reprodução de estereótipos e luta contra LGBTfobia
Pensar as representações e analisá-las em produções contemporâneas nos permitem observar e compreender como determinados elementos são postos em tela, sendo difundidos para a massa de telespectadores que as consomem. Tais produções carregam consigo valores sociais e culturais do meio em que se inserem, sejam eles conservadores ou com maior abertura para a diversidade e, portanto, podem vir a reforçar estereótipos, por mais que as intenções sejam positivas ao abordar determinadas questões.

Ao reproduzir estereótipos, essas representações podem contribuir para que preceitos conservadores e moralistas sejam reforçados, sobretudo por parte do público telespectador que pode vir a carecer de informações prévias, para além de estereótipos. A reprodução dessas imagens sobre um determinado grupo social comumente marginalizado, sobre algum tema considerado tabu ou qualquer outro elemento que já sofre por preconceitos e estigmatizações de forma estrutural, são um desserviço para pautas de lutas importantes, como é o caso de lutas pelas pautas da comunidade LGBTQI+.

Representatividade, através dos meios de comunicação e dos espaços acadêmicos, tem sido um elemento reivindicado por grupos socialmente discriminados na tentativa de ocupar espaços que lhes são negados e, assim, romper barreiras e paradigmas numa sociedade voltada para grupos que se colocam enquanto dominantes, sejam por raça, gênero, sexualidade, crenças ou classe. Entretanto, a busca por representatividade, que atendam aos interesses e as demandas desses grupos subalternizados tem sido apropriada e mercantilizada pelo sistema capitalista, o qual vende uma falsa ideia de igualdade e inclusão desses grupos e suas lutas. Tais imagens, mesmo que objetivando a inclusão, podem vir a reproduzir estereótipos e, com isso, reforçar violências.

Quando pensamos representatividade corroboramos com Silvio Almeida quando ele esclarece que “[...] o que chamamos de representatividade refere-se à participação de minorias em espaços de poder e prestígio social, inclusive no interior dos centros de difusão ideológica como os meios de comunicação e a academia” (ALMEIDA, 2010, p. 109). O autor segue elencando dois aspectos importantes da representatividade frente a discriminação: 1) propiciar a abertura de um espaço político para que as reinvindicações das minorias possam ser repercutidas, especialmente quando a liderança conquistada for resultado de um projeto político coletivo; 2) desmantelar as narrativas discriminatórias que sempre colocam minorias em locais de subalternidade... (ALMEIDA, 2019, p. 110).

As representações desses sujeitos através dos meios de comunicação podem conferir um efeito contrário por estarem sob o domínio de grupos dominantes que delas fazem uso como forma de manutenção da LGBTfobia, machismo e racismo. Para que a representatividade seja eficaz em sua proposta de fazer frente a discriminações, enquanto ferramenta política, é necessário que estejam alinhadas aos interesses dos grupos subalternizados para que os interesses políticos da representatividade sejam alcançados. A partir disso, entendemos:

“[...] que as representações são um instrumento o qual o indivíduo utiliza para criar significados permeados por interesses, sejam eles político, social, econômico ou cultural. Quem fala, fala a partir de algum lugar e a partir dele, sendo o discurso uma peça importante das representações...” (OLIVEIRA; CORDÃO, 2019, p. 102).

A comunidade LGBTQI+ tem tido imagens associadas a ela nos mais variados setores de consumo, difundidas enquanto representatividade. Na indústria cinematográfica temos, por exemplo, o filme Me chame pelo seu nome (2017), baseado em livro de mesmo nome, ganhador do Oscar de “Melhor roteiro adaptado”, o qual apresenta personagens homossexuais brancos e que reproduzem comportamentos normativos. Temos, também, o longa-metragem Com amor, Simon (2018), baseado na obra Simon vs. a agenda homo sapiens, o qual nos apresenta um personagem branco, homossexual e que reproduz comportamentos normativos.

Outras produções recentes obtiveram visibilidade mercadológica como, por exemplo, a série Sex education (2019), produzida pela Netflix. Nesta, assistimos o personagem o Eric Effiong (Ncuti Gatwa) é um jovem negro, homossexual e que; ao contrário dos personagens brancos e homossexuais dos filmes anteriormente citados, que apresentam comportamentos normativos numa ótica “masculinizada”, Eric é afeminado, possui os “trejeitos”. Enquanto a artista Linn da Quebrada canta sobre sair de salto e maquiada na favela, ela também atua dentro dessa imagem, enquanto travesti na série Segunda Chamada.

O espaço escolar e políticas públicas: manutenção de discursos LGBTfóbicos
Quando pensamos nas homossexualidades precisamos compreender que o entendimento desse amplo leque é deficitário dentro de comunidades populares. É comum em bairros periféricos/favelas, o entendimento de que existe homem e mulher (cis), ele podendo ser “viado”, ela podendo ser “sapatona” (Termo pejorativo para referir-se ao homem e a mulher, respectivamente, que relaciona-se afetiva e/ou sexualmente com o mesmo sexo). O indivíduo que se veste com roupas destinadas ao sexo feminino e que se identifica enquanto travesti será lida, nesses espaços, enquanto um “homem viado”, “mulherzinha”, ou qualquer outro termo pejorativo empregado ao homem que foge aos padrões de masculinidade construída socialmente, travestir-se seria uma dessas fugas.

Esse é um dos temas que será abordado no primeiro episódio da primeira temporada, da série Segunda Chamada, de forma a nos apresentar a personagem Natasha. As cenas ocorrem no banheiro masculino da escola. Natasha está prestando auxilio a um colega que está passando mal, nesse momento dois jovens, negros, adentram ao banheiro e, ao presenciarem a cena, começam a fazerem piadas vulgares, vindo a chamá-la de “traveco”, o que ela responde pronunciando seu nome para os jovens, os quais insistem no tratamento na forma masculina chamando-a de Robson. Os insultos persistem, ela passa a ser chamada de “viado”, e a mesma responde ser uma travesti. Um dos jovens a agarra e a arrasta para dentro do cubículo em que fica o vaso sanitário, Natasha tenta se desvencilhar. O outro jovem tenta impedir seu colega de continuar com a agressão no momento em que ela consegue se livrar dele, pega uma navalha que estava escondida em suas vestes e empunha na direção dos dois jovens. Amedrontados, os dois rapazes saem do banheiro, um deles proferindo ameaças contra Natasha que continua com a navalha empunhada, e a deixam só.

Essa sequência de cenas nos traz não somente o masculino que é enxergado em Natasha pelos jovens, ao chamá-la de “traveco” e na insistência de usar um nome masculino o qual a mesma não se identifica. Apesar dela se identificar enquanto Natasha, uma travesti, ela é lida, pelos jovens na cena, enquanto uma figura masculina com comportamentos de “viado”, “traveco”.  Essas cenas nos introduzem a um assunto de extrema importância para pensarmos como esses indivíduos lidam com suas sexualidades em um espaço que busca podá-las e encaixá-las dentro de normas preestabelecidas socialmente para controle e manutenção de comportamentos com base na cis heteronormatividade. A arquitetura escolar surge nesse contexto enquanto um meio que perpetua violências contra estudantes que não se enquadram dentro desses padrões de sexualidade. Vejamos o diálogo a seguir em cena que ocorrem dentro da escola, ainda no mesmo episódio.

“Colega: para de usar o banheiro dos macho e usa os da mina, Natacha.
Natacha: amiga é o que mais quero, mas olha pra mim, olha pra mim, só vou arrumar outro problema” (Segunda chamada. Direção: João Gomez e Ricardo Spencer. Rede Globo, 2019).

Em outra cena, ainda no mesmo episódio, Natasha encontra-se diante da entrada dos banheiros masculinos e femininos, dispostos lado a lado com identificação de sexo. Ao dirigir-se ao feminino uma senhora que vai saindo dele é surpreendida ao ver alguém se aproximando e diz:

“Dona Jurema: meu filho, esse banheiro é das mulheres, dos homens é ali.
Natacha: Dona Jurema, se entro lá agora não sei nem se saio viva.
Dona Jurema: vai reclamar com a direção, não sou obrigada a dividir banheiro com travesti.
Natacha: respeita, Dona Jurema, que eu não tô faltando com respeito.
Dona Jurema: me respeita você, Robson.
Natacha: quantas vezes vou ter que repetir, meu nome é Natacha.
Dona Jurema: pra mim continua Robson” (Segunda chamada. Direção: João Gomez e Ricardo Spencer. Rede Globo, 2019)..

Nesse primeiro episódio, o qual irá apresentar personagens e o ambiente da trama, a forma como Natasha é lida dentro espaço escolar e a constituição do mesmo estará em constante discussão. O conceito de arquitetura escolar é fundamental para nos auxiliarmos na compreensão desse espaço físico e sua perpetuação de valores sociais conservadores. Por mais que não fizesse uso desse conceito, Michael Foucault (2006) já demonstrava formas de como a discussão sobre o sexo se fazia presente nesse ambiente a partir de sua estrutura física.

Conforme o autor a arquitetura também é discursiva, ela organiza os indivíduos com os quais se relaciona a partir de concepções sociais, ou seja, a ela segue os valores predominantes sociais à época. A arquitetura dos colégios do século XVIII na França não está desassociada do meio social em que está inserido. Segundo Foucault, a sexualidade passou a ser um problema público, ou seja, resultou em ações institucionalizadas; a partir de discursos médicos de pedagogos e também das autoridades do Estado, para organizar esses espaços. Esse nó de discursos institucionalizados (FOUCAULT, 2012, p. 28) nos permite observar a gama de agentes que irão atuar nesses colégios através de uma série de observações, advertências e preceitos com base em valores conservadores.

Seguindo essa percepção da arquitetura, enquanto enunciação discursiva, o espanhol Agustín Escolano (2001), o qual debruçou-se sobre a História da Educação espanhola, pensa o espaço escolar enquanto uma construção cultural que reflete discursos sociais para além de sua estrutura física.

“A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos” (ESCOLANO, 2001, p. 26).

A partir disso, podemos pensar no formato da escola enquanto discurso que visa exercer o controle dos corpos. A arquitetura escolar, mecanismo material, dialoga com valores construídos socialmente que são excludentes, disciplinarizadores e de constante vigilância. Escolano discuti que, por mais que haja o processo de modernização da estrutura escolar, sua arquitetura ainda constitui um símbolo de poder que perpetua velhas e retrogradas concepções que impõe valores tradicionais e que reforçam o controle dos corpos, de como devem se comportar o homem e a mulher nesse espaço que:

“[...] tem se estruturado historicamente por preceitos, crenças e valores que maximizam a discriminação, invisibilização e preconceito a sujeitos “ininteligíveis”, legitimando as relações de poder e opressão entre os considerados “normais” e “anormais”, entendidos como “doente[s], esquisito[s], inferior[es], desqualificado[s], pervertido[s], contagioso[s]” (LACERDA, 2018, p. 217-218).

Conforme Agustín Escola e Milena Lacerda esses espaços físicos são meios de perpetuação de concepções retrógradas e violências contra o que seria “anormal”. Assim, temos o exemplo de Natasha com a escola (como é o caso de outra situação, ainda no primeiro episódio). Na cela, ela se coloca diante dos banheiros masculino e feminino e os observa e adentra ao feminino causando estranhamento entre as mulheres presentes. Por mais que haja o processo de modernização da estrutura escolar ela estaciona em alguns aspectos que exclui homens e mulheres trans, como é o caso dos banheiros.

Pensar na construção de banheiros, sobretudo no ambiente escolar, é ter em perspectiva sua construção voltada para o homem cis e a mulher cis. Ou seja, é levado em consideração o órgão sexual biológico do corpo, excluindo, portanto, pessoas trans que não se identificam com o gênero socialmente atribuído ao seu corpo. Esse problema não está limitado apenas a arquitetura escolar, ele é reforçado socialmente por meio de instituições transfobicas. Existem no Brasil exemplos de projetos políticos de que tinham como objetivo proibir pessoas trans de fazerem uso de banheiros de escolas públicas e de outros espaços públicos, a partir do gênero com qual se identificava.

No segundo episódio Natasha volta a fazer menção a problemas que assolam tal comunidade, problemas estes que não se limitam ao ambiente escolar, como já discutimos. Ela diz “Eu tenho medo, eu saio de casa todos os dias e não sei se volto viva” (Segunda chamada. Direção: João Gomez e Ricardo Spencer. Rede Globo, 2019). Sua fala chama a atenção acerca da violência física que são alvos os corpos LGBTQI+ no Brasil. Tal violência contra a comunidade LGBTQI+ no Brasil tem causado altos índices de mortes desses indivíduos, como nos mostra o relatório de 2018 publicado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), ao apontar o número de 420 homicídios no referido ano, sendo: 164 (39%) foram de pessoas trans, sendo incluso nessa denominação: 81 travestis; 72 mulheres transexuais; 6 homens trans; 2 drag queens; 2 pessoas não-binárias e 1 transformista.

Considerações finais
Apesar de se haver discussões acerca de gênero e sexualidade nas escolas se faz necessário uma atuação de todo o ambiente escolar para que haja a obtenção de resultados positivos, como por exemplo, a luta contra a LGBTfobia. Contudo, existe toda a carga social, sobretudo por parte do Estado, que atual na contramão de propostas que busquem implementar discussões do tipo nas escolas, nos explica os psicólogos da educação:

Evidenciando o crescente número de violência contra a população LGBTT, o MEC – Ministério da Educação, compreende que seria necessário discutir as temáticas de gênero e sexualidade na for­mação – inicial e continuada – de profissionais da educação e com isso nasceu o Projeto Escola sem Homofobia (2004), ou ainda, o “kit gay” como foi pejorativamente conhecido pela população.

O material que compunha o Projeto Escola sem Homofobia tinha como objetivo contribuir para a imple­mentação e a efetivação de ações que promovam ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos e da respeitabilidade das orientações sexuais e identidade de gênero no âmbito escolar brasileiro. E como é de conhecimento público, quando estava pronto para ser impresso e distribuído, setores conservadores da sociedade e do Congresso Nacional tencionaram o Governo Federal e o projeto foi engavetado (Pessôa; Pereira; Toledo, 2017, p. 23).

O debate sobre gênero e sexualidade na educação fortemente presente nos dias atuais e que tem como principal agente inviabilizador o Estado, é intensificado também por um crescente debate que tem questionado sua omissão em instituir políticas educacionais que abarquem questões tão urgentes e que podem contribuir para que ocorram mudanças nos índices de violências, sobretudo contra a comunidade LGBTQI+, que demonstram o fluxo contínuo de derramamento de sangue de nossos cidadãos. Políticas de Estado tem corroborado para a perpetuação de discursos conservadores, por isso corroboramos com o que dizem a autora e os autores “A omissão do Estado em instituir políticas educacionais que tomem as discussões de gênero e sexualidade com a seriedade e o rigor que merecem só acirra desigualdades e violências” (Pessôa; Pereira; Toledo, 2017, p. 29).

Referências
Bruno Silva de Oliveira é aluno de graduação em História pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); Integrante do Grupo de Estudos Literários em Escrituras Negras (GELEN-CG);
Manuela Aguiar Damião de Araújo é graduada em História pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); Doutora em Literatura e Interculturalidade pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB; Pesquisa sobre literatura, gênero e mídia.

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.
ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições gerais, 2006.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2012.
NOGUEIRA, Leonardo; HILÁRIO, Erivan; PAZ, Thaís Terezinha; MARRO, Kátia (Org.). Hasteemos a bandeira colorida: diversidade sexual e de gênero no Brasil. São Paulo: Expressão popular, 2018.
OLIVEIRA, Bruno Silva de; CORDÃO; Michelly Pereira de Sousa. O feminino em Vikings: reflexões sobre as personagens na cultura escandinava medieval. In. Aprendendo História: mídia. União da Vitória: Edições especiais sobre ontens, 2019.
PÊSSOA, Lilian Correia; PEREIRA, Rodnei; TOLEDO, Rodrigo. Ensinar gênero e sexualidade na escola: desafios para a formação de professores. Revista de estudos aplicados em educação, v. 2, n. 3. jan./jun. 2017.
Disponível em: <g1.globo.com/google/amp/pb/paraiba/noticia/sancionada-lei-que-proibe-ideologia-de-genero-nas-escolas-de-campina-grande.ghtml> Acesso em 26 de março de 2020.
Disponível em: <politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/caso-crivella-x-bienal-do-livro-censura-ou-protecao-ao-menor/?amp> Acesso em 26 de março de 2020.
SEGUNDA CHAMADA. Direção de João Gomez e Ricardo Spencer. Rede Globo, 2019 (ainda em produção).

10 comentários:

  1. Cara e Caro,
    Como estão?

    Quero parabenizá-los pelo tema e conteúdo do trabalho apresentado, é um debate urgente! A série, na minha opinião, foi linda, abordou pontos importantíssimos, não sei se continuaram produzindo, mas recomendo sempre que posso para todos.
    Enfim, gostaria de questioná-los, primeiro, se vocês pretendem dar continuidade a esta pesquisa? Se sim, tenho algumas indicações de bibliografia que podem abrir mais alguns leques para a análise das imagens. Trabalho atualmente no doutorado com representação da travesti em filmes dos anos 70, a teoria queer tem me ajudado muito para o entendimento do tratamento destes personagens. O conceito de abjeção, cunhado pela Judith Butler, principalmente. Recomendo em particular um texto bem curtinho da Berenice Bento "Na escola se aprende a diferença" , acho que em um futuro poderá ser bem legal para a pesquisa.

    Enfim, novamente, obrigada pelo trabalho. Foi realmente uma leitura mega interessante!
    Att,
    Gabbiana Clamer Fonseca Falavigna dos Reis

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    1. Olá, Gabbiana Clamer. Agradecemos sua participação e interesse por ler nosso texto. Ficamos felizes em saber que tenha gostado. Agradecemos pela sugestão de leitura, certamente iremos acrescentar em nossa lista.

      Sobre a pesquisa. A utilização da série para a discussão foi específica para este evento. Temos planos para continuar com pesquisas que abordem gênero e sexualidade no espaço escolar a partir de outros meios que não a utilização de uma produção televisa. Apesar disso não excluímos a possibilidade de novas análises de futuras temporadas da série “Segunda Chamada” (a série é realmente incrível).
      Também pesquisamos sobre homossexualidades no Brasil entre 1970-1980 e temos total interesse em ler algum material seu, em caso de estar disponível, sobre sua pesquisa, seria um prazer.

      Agradecemos,
      Bruno Silva de Oliveira
      Manuela Aguiar Damião de Araújo.

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  2. Boa tarde, pessoas escritoras! Tudo bem com vocês? Espero que sim...
    Supondo que atingimos uma arquitetura escolar “trans-inclusiva” e atuamos na legalidade do Estado, e, também, levando em conta a presença de estruturas de gêneros binários, como pensar, especialmente, o acesso de corpos trans não-binários nessa arquitetura escolar? Porque há uma dissociação causada pela cisnormatividade como binariedade que promove e impõe performances compulsivas do que é ser “mulher” ou “homem” - posição binária e preferencialmente, complementar - no qual corpos são identificados com ficções essencialistas e reduzidas a uma mera objetividade.
    Ademais, em contextos em que a cisgeneridade não é nomeada há a permissão exata da cisgeneridade se colocar como norma e normalização de corpos. Assim, a despolitização do corpo salva a cisgeneridade de ter de desenvolver qualquer consciência de si, como responsável. Se por um lado a transfobia considera o extermínio cotidiano de corpos trans, por outro lado, não desvela a cisnormatividade tanto como paradigma cultural quanto como decorrência dessa necropolítica, que também se baseia nos aspectos educacionais. Nesse sentido, como faz para corrigir essa dissociação cisgenera e binária?
    Gratidão!
    Abraços,

    Daniel Pinto da Silva.

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    1. Olá, Daniel Pinto. Estamos bem, obrigado. Agradecemos sua participação e interesse por ler nosso texto.

      Nossa proposta não consiste em apresentar uma reposta pronta e clara para resolver o problema acerca das discussões de gênero e sexualidade no espaço escolar que também reproduz discursos LGBTfóbicos, sobretudo no que tange a arquitetura deste espaço. Apresentamos problemáticas e a discutimos com o intuito de suscitar questionamentos e problematizações que partam da comunidade ao refletirem sobre o espaço escolar.

      Uma pequena reflexão como a apresentada em nosso trabalho não é suficiente para solucionar problemas, ou minimizar os danos causados por estes, diante dessas questões complexas e com variáveis.

      Seus questionamentos sobre a exclusão de sujeitos que se identificam com o que entendemos sendo não-binárias são pertinentes. Poderíamos sermos categóricos e apontar a criação de novos espaços, contudo, se possíveis soluções pudessem ser elaboradas de formas tão práticas maiores discussões não seriam necessárias, tendo em vista que questões culturais e educacionais dialogam intrinsecamente com as problemáticas observados pelo autor e autora do texto, e por você.

      Para que se haja a cogitação de possíveis soluções deve-se haver complexas e cansativas discussões acerca do problema e que elas não se limitem a pesquisadores, já que estes correm o risco de impor soluções e atentar contra a liberdade da comunidade (MACRAE, 2018, p 111), mesmo que bem intencionados. Tais debates devem ser realizados por toda a comunidade, e neste caso não só a escolar, como a que está entorno e, principalmente, os sujeitos que são violentados pela LGBTfobia.

      Agradecemos,
      Bruno Silva de Oliveira
      Manuela Aguiar Damião de Araújo.

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  3. Olá, Historiadores! Primeiramente, gostaria de parabenizá-los pelo artigo, a leitura foi enriquecedora e me levou a refletir sobre a temática. Pensar o espaço escolar através da arquitetura que tem o poder de controlar corpos é uma excelente problemática, principalmente quando falamos sobre LGBTfóbia no Brasil, ao ler este artigo é inevitável não imaginar quantas "Natashas" existem em nosso país se sentindo vulneráveis no ambiente escolar que deveria ser um porto seguro para todos que buscam seu direito a Educação. Como educadores precisamos nos atentar para este problema e isso me leva a seguinte pergunta: Como podemos trazer o assunto para sala de aula de forma didática?

    Mariana Melo Angelino

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    1. Olá, Mariana Melo. Agradecemos pela sua participação e interesse por ler nosso trabalho.

      Discutir gênero e sexualidade no espaço escolar é uma tarefa com muitos desafios, o que acaba sendo ainda mais dificultoso quando temos diversos fatores/agentes que contribuem para que essas discussões não ocorram, conforme apresentado em nosso trabalho.

      Para auxiliar os/as professores/as é necessário que se haja um engajamento dos profissionais da educação e da gestão escolar para que se discutam formas de abordagem, bem como a seleção e organização de materiais a serem trabalhados com os alunos. É de suma importância que o trabalho para se discutir gênero e sexualidade envolva todo o espaço escolar, e não somente o empenho pontual de um ou outro profissional.

      Diante da omissão governamental e da escassa e ineficaz atuação dos agentes (gestão e profissionais da educação) na escola para que haja uma contribuição mínima para a discussão no espaço escolar, os/as professores/as que se dispõe em discutir a temática precisam desenvolver metodologias próprias.

      A utilização de séries (tomando o cuidado com a classificação de público do material), notícias veiculadas na cidade na qual se encontra a escola bem como propor a discussão para os alunos a partir de casos de violência ocorridos no espaço escolar, sem necessariamente mencionar os envolvidos, podem ser um começo.

      Agradecemos,
      Bruno Silva de Oliveira
      Manuela Aguiar Damião de Araújo.

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  4. Boa tarde,
    Excelente texto e debate extremamente necessário.
    As universidades ainda se constituem como espaço bastante desiguais, e que reproduzem dicotomias simbólicas entre os papeis do masculino e do feminino, de tal modo que, as (os) professoras que irão atuar no ensino médio passaram por esse processo formativo na universidade que reproduz e perpetua desigualdades, assim gostaria de saber como vocês avaliam essa questão no ensino superior que forma os futuros professores?
    Parabenizo e agradeço pelo texto.
    Matheus Oliveira de Paula.

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    1. Olá, Matheus Oliveira. Agradecemos pela sua participação e interesse por ler nosso trabalho.

      Apesar de nosso trabalho ter como foco o espaço escolar, nossa discussão pode ser aplicada as universidades. Diante disso, ao invés de sintetizar aqui o que foi abordado no texto acima, gostaríamos de relatar um caso ocorrido na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

      No dia 17 de maio do corrente ano ocorreu o Ocupando e resistindo, evento de caráter político. A principal pauta da atividade foi a violência sofrida pela população LGBTQI+. Por esta razão, foram realizadas apresentações artísticas e falas de alunos e professores orientadas pela palavra de ordem “Parem de nos matar!”. Na ocasião, vários estudantes sofreram agressões físicas e verbais por parte de alguns agentes terceirizados da segurança patrimonial.

      A repressão desses seguranças do patrimônio aos estudantes se deu por meio de agressões corporais e de intimidação, uma vez que fizerem a abordagem exibindo armas de fogo de grosso calibre e proferindo frases de caráter homofóbico. A violência, que partiu por parte de um grupo de predominância masculina, reflete o que as vítimas das agressões enfrentam diariamente.

      Assim como nas escolas, as instituições de ensino superior no Brasil são permeadas por formas discursivas que perpetua velhas e retrogradas concepções que impõe valores tradicionais e que reforçam o controle dos corpos.

      Agradecemos,
      Bruno Silva de Oliveira
      Manuela Aguiar Damião de Araújo.

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  5. Olá, gostaria de parabenizar pela redação, realmente muito importante falar em como as escolas possuem um papel relevante na construção dos jovens, mas também na opressão das minorias.
    Essa questão do banheiro é um tabu enorme, pois parece uma coisa incogitável uma mulher entrar no banheiro masculino, como se fosse a violação de um código moral. Essa análise da arquitetura baseada no sexo, poderia ser aplicada também à outras instituições?
    Caroline Aparecida Prior Francisco

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    1. Olá, Caroline Aparecida! Agradecemos pela sua participação e interesse por ler nosso trabalho.

      Sim, a problemática se aplica a outros espaços. Conforme citamos no texto, existem no Brasil exemplos de projetos políticos de que tinham como objetivo proibir pessoas trans de fazerem uso de banheiros de escolas públicas e de outros espaços públicos, a partir do gênero com qual se identificava. Ou seja, apensar de nossa abordagem situar a escola, trata-se de um problema social e que não se resume ao ambiente escolar.

      Agradecemos,
      Bruno Silva de Oliveira
      Manuela Aguiar Damião de Araújo.

      Excluir

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